8 de abril de 2022

Tempo de Leitura: 7 minutos

O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades na interação e comunicação social, além de padrões de comportamento restritos e repetitivos. Quando estas características, e uma série de outros sinais estão presentes e atrapalham o desenvolvimento e qualidade de vida do indivíduo, ele pode ser diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (ou TEA).

A partir daí, a família precisa buscar por intervenções que vão ajudá-lo a se desenvolver e conquistar o máximo de autonomia e independência que conseguir. Para isso, vai ser preciso ensiná-lo várias habilidades que para nós, neurotípicos, muitas vezes são mais naturais.

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A principal informação é: toda pessoa consegue aprender, inclusive as que estão no espectro autista. Basta que encontremos a forma certa de ensiná-las. E no caso do autismo, esse aprendizado pode demandar mais tempo e paciência, além de adaptações que vão ser necessárias para garantir sua efetividade. Neste artigo, trazemos algumas informações que podem auxiliar profissionais e famílias no processo de aprendizagem de pessoas com autismo.

A ciência diz que todos podem aprender

É cientificamente comprovado que todo ser humano é capaz de aprender. Mas as limitações do autismo exigem que esse aprendizado seja adaptado para que se encontre a melhor forma que cada indivíduo consiga ser ensinado.

Para além do espectro do autismo, cada pessoa é única, e a forma como ela aprende também o é. Sendo assim, algumas orientações podem te ajudar a iniciar esse processo:

  • Conheça e estude aquela pessoa antes de iniciar a aprendizagem: quanto mais conhecemos uma pessoa, mais entendemos suas manias, personalidade e conseguimos nos aproximar dela. Para ensinar, é preciso entender mais sobre aquele indivíduo. Por isso, converse com a família, com pessoas próximas que conhecem a realidade e, se for o caso, com a própria pessoa para entender como iniciar o processo de aprendizagem.
  • Identifique se aquela pessoa tem um ou mais hiperfocos: hiperfoco é como são chamados os interesses restritos de quem está no espectro. Para além de um tema de interesse, se trata de assuntos que ganham tamanha relevância para esses indivíduos que eles têm a necessidade de absorver toda e qualquer informação sobre eles. Os hiperfocos muitas vezes assustam familiares, que têm medo deles atrapalharem o processo de aprendizado e outros aspectos da vida de pessoas autistas. Por um lado, isso é verdade, estar com a mente focada em um assunto pode fazer com que quem está no espectro se esqueça até das questões de higiene pessoal e saúde, como alimentação, tomar banho e escovar os dentes. No entanto, inserir o hiperfoco no aprendizado pode ser uma ferramenta poderosa para ensinar autistas sobre diversos temas.
  • Conheça o contexto e a rotina da pessoa: muitas pessoas com autismo têm dificuldades em lidar com mudanças na rotina. Além disso, elas estão inseridas em diversos contextos e entender um pouco mais sobre suas realidades é essencial para entender qual a melhor forma de ensiná-la sobre determinado assunto.
  • Entenda que você como educador é quem precisa adaptar as maneiras de ensino, e não o contrário: pessoas aprendem de diversas formas e mesmo neurotípicos têm suas limitações e formas de entender sobre alguns assuntos. Se você vai ensinar uma pessoa neurotípica a somar, mas percebe que ela tem dificuldade em imaginar os números na cabeça e precisa de algo mais concreto (como palitinhos ou lápis) para conseguir desenvolver essa habilidade, você certamente vai ensiná-la com ajuda de objetos que tornam o aprendizado mais fácil. Por que com pessoas autistas seria diferente?

Quando, mesmo assim, o aprendizado não parecer ser efetivo, o profissional provavelmente vai precisar reavaliar as estratégias utilizadas e fazer alterações no processo. Afinal de contas, aquela pessoa é capaz de aprender, só não está sendo ensinada da forma certa.

Entendendo os níveis de autismo

O TEA é composto por uma série de características que dificultam o aprendizado, e por isso o próprio processo de diagnóstico avalia os níveis de necessidade de suporte de cada indivíduo. Existem três níveis de necessidade de suporte que compõem o diagnóstico de TEA. Falaremos um pouco deles a seguir:

Autismo nível 1

Indivíduos diagnosticados com autismo nível de suporte 1 precisam de apoio para atividades do dia a dia e para o aprendizado. No entanto, em alguns aspectos esse suporte pode ser bem baixo.
Alguns deles já conseguiram desenvolver a comunicação verbal e podem não apresentar dificuldade na interação social, por exemplo, mas ter padrões de comportamentos restritos e repetitivos que merecem atenção. E vice-versa.

Vale ressaltar que muitas pessoas diagnosticadas anteriormente com Síndrome de Asperger e autismo de alto-funcionamento poderiam receber o laudo de autismo nível de suporte 1 caso as investigações fossem realizadas atualmente.

Autismo nível 2

As pessoas com autismo nível de suporte 2 precisam de suporte moderado para as atividades da vida diária e aprendizagem. Por causa de algumas limitações mais aparentes, elas podem demandar mais atenção nos aspectos identificados pela equipe multidisciplinar que fechar o laudo de TEA.

Autismo nível 3

Pessoas com autismo cuja equipe diagnostique nível de necessidade de suporte 3 precisam de mais apoio para realizar algumas atividades da vida diária, mesmo aquelas que podem ser realizadas com naturalidade por pessoas de níveis 1 e 2 do TEA.

Além disso, as pessoas com nível 3 muitas vezes são não-verbais, o que significa que não conseguiram desenvolver a fala verbal e podem precisar de um treino de comunicação alternativa para conseguir se expressar e serem compreendidas.

Algumas das características do TEA podem aparecer com maior comprometimento, e demandar mais dos cuidadores e profissionais que atendem a pessoa.

Vale ressaltar, no entanto, que todas as pessoas autistas podem precisar de suportes diferentes para realizar determinadas atividades. Por este motivo, os conceitos de autismo leve, moderado e severo acabam não sendo tão eficientes para nomear a variabilidade dos níveis do TEA, uma vez que podem servir para deslegitimar a necessidade de suporte de pessoas no nível 1, por exemplo.

O que entender sobre a mente autista

Obviamente pessoas autistas processam as informações e aprendem de uma maneira diferente da que nós neurotípicos fazemos, principalmente porque seus cérebros funcionam de uma forma diferente.
Quem conhece a norte-americana Temple Grandin já tem um entendimento desta diferente forma de pensamentos e processamento de informações no autismo. Isso porque ela é considerada uma das primeiras pessoas no espectro a conseguir explicar como se sentia e como entendia e aprendia com as diferenças que seu cérebro apresentava.

No livro Thinking in pictures, sua autobiografia, Temple explica sobre o pensamento por meio de imagens e como usou esse aprendizado a seu favor para aprender e se desenvolver. Desde então, sempre que pode, ela recorda sobre a importância de levar as diferenças em consideração, especialmente quando educadores têm o papel de ensinar pessoas no TEA. “As crianças têm que ser expostas a coisas diferentes para se desenvolverem”.

Outra pesquisadora e especialista no que diz respeito a pensamento e aprendizado no autismo é a linguista Hilde De Clerc, mãe de um menino no espectro e autora de diversos livros. Assim como Temple Grandin, ela também defende o entendimento da sociedade sobre as pessoas autistas e sua forma de entender e aprender.

Por meio da literatura destas duas especialistas, reunimos algumas informações que podem ajudar a conhecer mais sobre o cérebro autista.
Autistas podem ter dificuldade com a generalização
Muitas vezes, famílias se queixam que a criança aprende um determinado comportamento em terapia, mas não consegue replicá-lo em casa ou em outros lugares. Isso acaba acontecendo porque os autistas têm dificuldade de generalização.

Isso significa que um comportamento precisa ser aprendido e replicado seguindo as mesmas estratégias em outros lugares, até que se tenha certeza do aprendizado.

Hilde De Clercq, por exemplo, explica este ponto por meio de uma situação que vivenciou com uma criança que conheceu:

Durante uma excursão da escola, o menino começou a rabiscar com lápis uma das paredes. Vendo a situação, a professora chegou e chamou a atenção dela dizendo: “você não pode fazer isso aqui”.
A criança então se desculpou, e em seguida se dirigiu a um novo local para continuar a rabiscar a parede.
Segundo Hilde, isso pode parecer desprezo pelas regras, mas quando falamos de pessoas autistas, na maioria das vezes é apenas falta de entendimento e generalização da regra. Ou seja, a criança se dirigiu a outra parede e continuou a rabiscar porque entendeu que a regra era com relação àquela parede em específica, e não geral.

Entender sobre essa dificuldade de generalização é essencial para conseguir ensinar quem está no espectro do autismo.

Autistas podem ser literais

Figuras de linguagem, como as metáforas, podem ser difíceis para pessoas autista compreenderem. Isso porque eles muitas vezes têm um entendimento mais literal de tudo que dizemos. Então, se alguém fala que “vai chover canivetes” se referindo ao tempo ruim, autistas provavelmente vão acreditar que canivetes irão cair do céu e se assustar.

Apesar de parecer bem simples e até insignificante, compreender essa literalidade é importantíssimo para ensinar pessoas no espectro. Até porque, vai ser necessário tomar muito cuidado com tudo que dissermos e também nos certificarmos de que ela entendeu a mensagem da forma correta.

Para além disso, vale muito a pena aproveitar para ensiná-las um pouco mais sobre as figuras de linguagem.

Autistas podem ser mais visuais e fazer associações baseadas neste instinto

As percepções visuais muitas vezes podem influenciar na forma de pensar e aprender de pessoas autistas.
Em seu livro Mum, is that a human being or an animal? Hilde De Clercq fala sobre como entendeu pela primeira vez essa associação entre visual e processamento de informações. Para ilustrar a situação, ela recorda uma situação vivida com o filho.

Um dia, Hilde afirma que ouviu o filho dizer “maçã”, uma palavra que ele nunca havia falado anteriormente. Feliz com o aprendizado, ela contou ao marido e ao filho mais velho, mas ao tentar fazê-lo repetir, ele não dizia a palavra.

Passaram-se vários dias nos quais ela tentava fazer o menino repetir “maçã”. Passava horas com a fruta na mão, apontando e dizendo, mas nada acontecia. Tanto que ela passou a se convencer de que ele nunca dissera a palavra.

Outro dia, o filho mais velho voltou para casa segurando uma maçã verde nas mãos. O mais novo, ao ver a fruta, imediatamente apontou e disse “maçã”.

Neste momento, Hilde conseguiu entender a associação do filho: a primeira maçã que ele viu era verde, assim como a que o irmão segurava nas mãos. Por este motivo, as maçãs para ele só eram maçãs se fossem verdes. Entender esse aspecto da mente fez com que ela conseguisse entender melhor o filho e ensiná-lo que maçãs vermelhas também eram maçãs.

Note que, ao longo do texto usamos expressões como “podem ser”, “a maioria” e “às vezes”. Isso porque quando falamos de pessoas autistas, não podemos generalizar e dizer que o que se aplica a uma pessoa, se aplica a todas as outras. Ainda assim, as informações contidas neste texto podem ser úteis para entender um pouco mais da mente autista e ensinar indivíduos no espectro da melhor forma possível.

Indicações de leitura:

  • Uma menina estranha – Temple Grandin
  • Cérebro autista – Temple Grandin
  • Um antropólogo em Marte – Oliver Sacks
  • Os livros de Hilde De Clercq não foram traduzidos para o português

 

Fonte: Literatura Temple Grandin e Hilde De Clercq
Créditos: Gabriela Bandeira
Imagem: Ariel Nobre

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A Academia do Autismo é uma Instituição especializada no Transtorno do Espectro Autista, focada em transformar a vida das pessoas com TEA, a partir da qualificação de profissionais, pais e familiares. Conta com 80% dos conteúdos gratuitos, atuando também na disseminação de conhecimento sobre o autismo.

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