10 de outubro de 2022

Tempo de Leitura: 4 minutos

Em 2021, um trio que conversava diariamente no “Um Discord Sobre Autismo”, um grupo para autistas no aplicativo Discord criado pelo youtuber Willian Chimura, decidiram criar um podcast. Nascia ali o Lógica Autista, um programa que discute o autismo na vida adulta.

A ideia, que reuniu Luã, Lili, Myt e, mais tarde, Lizzie e Vivs, nasceu com o objetivo de se ter conversas pessoais sobre o autismo. Tanto é que os integrantes, apesar do diagnóstico formal, não deixam tantos detalhes sobre suas identidades. “É preciso expor as vulnerabilidades para falar sobre saúde mental e criar uma conexão com o público. Acho interessante que a gente tente se preservar de julgamentos que possam vir a afetar nossas vidas acadêmicas, amorosas, familiares e profissionais”, disse Lili.

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A descoberta

Os cinco integrantes do Lógica Autista foram diagnosticados tardiamente com autismo. Luã iniciou sua investigação ainda durante a graduação, quando professores da Universidade Federal do Pará (UFPA) o indicaram para a Coordenadoria de Acessibilidade (CoAcess).

O diagnóstico de Lili também teve uma conexão com a universidade. Tudo começou por uma recomendação de um professor e quatro anos de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Myt, por sua vez, tinha problemas relacionados ao sono, e Lizzie recebeu um conselho de seu psicólogo para procurar um especialista em autismo.

Apesar das diferenças existentes nas histórias, o que os une é uma sensação de diferença de habilidades sociais e reatividade sensorial que foi explicada pelo autismo. Vivs explica que o incômodo com os estímulos do ambiente no retorno pós-pandemia foi fundamental para evidenciar suas dificuldades.

“Os barulhos me incomodavam e assustavam, as luzes eram muito fortes, chorava e entrava em crise e etc. Foi quando consultei o Dr. Google e tudo apontava para autismo. Daí lembrei que já tinha passado por esse processo, que membros da família já tinham dividido comigo sobre Asperger. Conforme tudo foi fazendo sentido, decidi procurar uma neuropsicóloga especialista em diagnóstico de autismo em adultos e foi confirmado quase instantaneamente”, conta.

O podcast

“A jornada do diagnóstico na vida adulta”, de outubro de 2021, é o episódio de estreia do Lógica Autista. Ao longo do tempo, eles foram abordando suas vivências e de outros amigos autistas convidados. Entre o catálogo, destaque para temas como relacionamentos, vida universitária, hiperfoco, socialização e jogos.

Foi a partir do episódio “Mulheres Autistas” que Lizzie passou a fazer parte da equipe, enquanto Vivs entrou no quadro de integrantes inicialmente para colaborar com ideias, sugestões e estratégias de marketing.

O design das capas dos episódios, com títulos brincalhões como “Coca-Cola com maçã” ou “Não ganhei o tutorial”, é feito por Lili. “Recebemos um feedback muito importante de que seguíamos inicialmente uma linha muito séria para a nossa proposta, e optamos por utilizar mais cores, formas e imagens descontraídas a partir do EP5”, avalia.

O diferencial do Lógica em relação a outros projetos, segundo Lizzie, é a experiência autista em primeira pessoa. “Acho que no Brasil, não só os podcasts sobre autismo mas como os canais no YouTube também costumam ser direcionados para os pais de autistas. O Lógica Autista é um podcast sobre autistas, de autistas para autistas. Falamos das nossas vivências pessoais e procuramos mostrar para outros autistas que eles não estão sozinhos em suas experiências”, afirma.

Autismo na podosfera

Apesar de ser uma mídia em ascensão nos últimos anos, os primeiros podcasts sobre autismo do Brasil existem há mais tempo. A Rádio Autismo, o projeto mais antigo do gênero, surgiu em 2007 e teve apenas dois episódios. Alexandre Costa, o apresentador do programa, acabou criando o Autismo Brasil Podcast em 2014, que durou cerca de 3 anos.

No entanto, o primeiro podcast brasileiro de autistas do país foi o Introvertendo, de maio de 2018, que explorou o famoso formato de bate-papo conhecido como mesacast, algo também incorporado pelo Lógica Autista. Nos últimos 4 anos, também surgiram Spectre, Café com Espectro, Atípicas Podcast e ONDACAST.

As referências dos integrantes do Lógica, no entanto, não se limitam à podosfera autista. “Os meus favoritos são o Scicast (as nossas apresentações foram inspiradas nele), Dragões de Garagem e o Introvertendo”, disse Luã, o responsável pela edição e mixagem dos episódios.

Além dos programas citados por Luã, outros integrantes também destacam podcasts como Xadrez Verbal, Projeto Humanos, Não Inviabilize, Modus Operandi, Segurança Legal e PoupeCast.

Planos e futuros

Tudo começou como lazer. Os convidados dos episódios também faziam parte do grupo do Discord onde o podcast surgiu. Mas, com o tempo, a audiência foi chegando e os integrantes começaram a sentir uma maior responsabilidade com o projeto. Além disso, eles também tiveram que lidar uns com os outros, e a comunicação entre autistas nem sempre é fácil. “Muitos autistas trabalhando em conjunto ‘dá ruim’ com certeza”, Myt defende.

Sobre a complexidade das relações, Lili observa que mesmo com a existência da rigidez cognitiva, o projeto é mais importante. “Minha preocupação a respeito disso é que a mensagem que queremos transmitir ao externo, de acolhimento e inclusão, se perca nas nossas relações internas por falta de uma boa comunicação, que é justamente uma das características de estar no espectro”.

Isso também reflete no próprio conteúdo. Os integrantes também disseram que alguns temas foram gravados e nunca lançados pelo peso das conversas e pelas experiências ruins que tiveram no passado. Apesar disso, eles tentam equilibrar o tom. “Sempre rola uma ‘torta de climão’ ou outra, mas o Luã arrasa na edição e a Lili traz energia puxando a gente pra fora das ‘bad vibes’”, Vivs disse.

Por isso, o objetivo dos integrantes é promover aproximações com outros autistas e acolhê-los. Com página no Instagram, a equipe também produz publicações informativas sobre o autismo, relacionadas ou não com os conteúdos lançados em áudio.

O episódio mais recente, “A jornada do ouvinte”, conclui a primeira fase do podcast. Atualmente em hiato, o programa está sendo repensado pela equipe. E Lili destaca que os rumos do projeto são incertos. “Planejamos ir até o episódio 15, por enquanto. Mas mesmo que o projeto chegue ao fim, nossos objetivos já foram alcançados: criar uma comunidade e trocar experiências”, concluiu.

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Jornalista, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e autor do livro "O que é neurodiversidade?".

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