1 de março de 2023

Tempo de Leitura: 3 minutos

A luta e o ativismo pelos direitos das pessoas com autismo é um fato reconhecido desde o início da década de 1980, com congressos, simpósios, livros publicados e grandes nomes da classe médica discutindo informações sobre o, chamado na época, “distúrbio”. Em 1989, a Asteca (Associação Terapêutica Educacional para Crianças Autistas) promoveu o I Congresso Nacional de Autismo; eu estive lá. 

Posteriormente, com a assinatura da Declaração de Salamanca, em 1994, mudanças na educação foram propostas com foco na criança e em suas necessidades e habilidades, inserindo todas as crianças no sistema regular de ensino. 

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Lentamente, pais, autistas e profissionais uniram-se pelo direito de exercerem seus direitos, e a busca por políticas públicas na educação e saúde foi ficando cada vez mais intensa.

Leopoldina Martins Paes de Oliveira, 74 anos, é uma dessas mães. Professora, conseguiu o diagnóstico de seu filho André, de 43 anos, apenas em 2015. Uma verdadeira via crucis de profissional em profissional, escola em escola. Embora o diagnóstico tenha sido tardio, André nunca deixou de ser estimulado, trabalhado, incentivado e inserido em sua família e comunidade. 

Leopoldina deparava-se com dificuldades legais e interesses que mais geravam exclusão do que acessibilidade. Decidiu, então, participar de movimentos e grupos que lutavam pelas tais políticas públicas. Em 2015, iniciou seu envolvimento no Movimento Pró Autista, em 2017, ingressou no GT-TEA da SMPED (Grupo de Trabalho do transtorno do espectro autista da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência da cidade de São Paulo), grupo onde me encontrei com Leopoldina pela primeira vez. Mulher decidida, coerente e de fala mansa, mas crítica, sempre nos mobilizou para refletir e buscar saídas mais permanentes e menos impulsivas. Estivemos juntas, além de outros representantes do movimento, incluindo autistas, na elaboração da Lei 17.502 assinada pelo prefeito Bruno Covas, em 03.nov.2020, que garante direitos de atendimento aos autistas e seus familiares. Devemos deixar claro que muito do que está na lei ainda não constitui uma realidade.

Por ocasião das eleições de 2022, fomos surpreendidos com uma grande quantidade de candidatos levantando a bandeira do autismo, com um número exagerado de projetos de lei (PL) prometendo até mesmo o que não é possível prometer. É sabido que PL para direitos dos autistas em época de eleição é para ganhar votos, não significa nada e, após cada eleição, há uma gaveta de cemitério de projetos.

Entretanto, Leopoldina trouxe à discussão, recentemente, o PL 4065, de 2020, da deputada federal Maria Rosas, que se refere a problemas que ela enfrenta todos os anos: é “pega na malha fina” da Receita Federal para provar que o filho é seu dependente por ter uma condição permanente chamada autismo e a cada vez de renovar o bilhete único especial da São Paulo Transportes (SPTrans). para seu filho, precisa correr para mais um laudo, porque ele tem data de validade. O projeto, que já tem dois anos, trata exatamente dessa questão, altera a Lei nº 12.764/2012, de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e altera também o § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112/1990, “para incluir como permanente o caráter do laudo que diagnostique o transtorno do espectro autista”. O PL encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara Federal desde 1.junho.2022. 

O PL 4065 é de uma simplicidade pueril, de uma obviedade incontestável e está há dois anos para ser aprovado. Vale citar também outro projeto semelhante, o PL 2352/2022, da senadora Ivete da Silveira (MDB-SC), que tramita no Senado. Aprovar um laudo definitivo é esvaziar a demanda das UBS, por exemplo, é evitar filas, constrangimentos e, acima de tudo, burocracia. Para quem tem um psiquiatra particular, solicitar um laudo a cada 6 ou 12 meses pode ser uma dor de cabeça, mas a conclusão é rápida. Precisar de uma atualização de laudo para quem depende do SUS pode gerar até mesmo a interrupção de um tratamento por falta de dinheiro para o transporte público, no caso da renovação do bilhete único especial pelo SPTrans. Apenas mais um detalhe: o SPTrans solicita o envio de dois laudos, um médico e outro de um psicólogo ou terapeuta ocupacional. 

Leopoldina é membro do Conselho de Inclusão da Câmara Municipal e do Fórum de Entidades com participação voluntária; vê o movimento perdendo força a cada dia. Os encontros do GT de TEA da SMPED foram encerrados pela própria secretaria há mais de ano e nós, do grupo, mantemos nossos diálogos pelo whatsapp onde nos organizamos e lutamos pelos canais que possuímos.

Não queremos mais políticos fabricando PLs que serão engavetados. Precisamos de efetividade na luta, coerência e acesso aos direitos. Precisamos ouvir mais as Leopoldinas e desistir jamais.

CONTEÚDO EXTRA

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

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