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Tenho transitado por institutos, escolas, oficinas, conversado com vários profissionais e, sempre me perguntam sobre a crescente onda diagnóstica de autismo. Perguntam: O que mudou? Onde estão essas pessoas que não vemos?
Primeiramente, continuam invisíveis. O fato de a ciência ter avançado e entendido que a neurodivergência é um fato, não define um rosto para o autista. Se você espera continuar a vê-los pulando e balançando as mãos, não perca seu tempo. Até isso mudou. Hoje, mais cientes de suas necessidades, utilizam toda a espécie de ‘ferramentas’ para a auto regulação. E estão em toda parte. Ao seu lado no cinema, no parque, na faculdade, no elevador e onde quiserem. Infelizmente, ainda não contam com a acessibilidade necessária nos mais diversos ambientes sejam públicos ou privados.
Como disse acima, a neurodivergência é um fato. O cérebro atípico funciona de modo diferente do típico. Portanto, comparar emoções, rendimento acadêmico, reações de fatos, ‘obediência’ e até mesmo hábitos alimentares não é nada frutífero. Ou seja, o que os neurotípicos sentem sobre saudade, tristeza, frustração, obrigação, em nada se compara em como sentem os atípicos. Não funciona assim.
A questão social é um exemplo bem concreto. Frases de incentivo do tipo: “todo mundo é pouco tímido” ou, “experimenta um pedacinho, você vai gostar” e ainda, “convida um amigo para passear”, em nada colaboram. São frases vazias diante de um oceano de diferenças entre o que se sugere e como o outro pensa e sente.
Vejo um sofrimento recorrente e gigantesco dos jovens no espectro. Ansiedade, depressão que são tratadas em casa como algo que a auto ajuda facilitaria a saída. “Vai passar”, “Você precisa amadurecer”. Não passa e eles precisam de ajuda para atravessar esses períodos. Volto a falar de presença e escuta. Garantir segurança e espaço de compreensão.
Dia desses, ouvi as definições de tristeza e amor eterno de um jovem autista que, aos prantos me relatava sua experiência em um funeral da mãe do amigo de seu irmão: “como pude ficar tão profundamente triste no funeral de alguém que nem conhecia?” Um relato que levou a mim às lágrimas. Foram 7 páginas transcritas de uma sessão cheia de expressões profundas sobre relações, perdas e amor.
O outro vilão dos jovens atípicos vem sendo o vestibular. Passam anos – para os que têm a sorte de tê-los – com mediadores, provas orais, buscando uma organização que lhes permita fazer lições e estudos mais direcionados aos exames vestibulares. Acabam que nem pensam no que querem como profissão.
Profissão. Aquilo que nos torna independentes financeiramente e nos leva sem escalas para a vida adulta. Não acredito que seja possível, para jovens atípicos fazerem essa mudança tão radical em poucos anos. Não é à toa que ouvimos que alguns jovens levam muitos anos para se formarem ou pior, saem da faculdade sem emprego e sem rumo.
Fica aqui uma pergunta: é necessário correr tanto? É tão urgente que sigam para as universidades? Sim, o sonho é de uma vaga nas melhores do país. Participo dos cursos de Habilidades sociais, Mercado de Trabalho e Orientação vocacional do TEAMM como ouvinte e, vejo a quantidade de informação que lhes falta durante os anos de faculdade. Informações básicas de como montar um curriculum, por exemplo.
Alguém pode dizer: mas isso é fácil, é só entrar na internet que tem milhões de modelos a escolher. E eu respondo com um trecho de uma conversa em outra sessão com outro jovem autista: “Me pedir para procurar algo na internet é como me pedir para me jogar num buraco sem fundo. Sinto um nó no estômago. Não sei como escolher o melhor site, o melhor modelo, a melhor resposta. Onde aprendo isso?”.
Hoje foi só um bate papo e uma vontade enorme em dividir essas falas tão expressivas.
Até.