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A diversidade é uma realidade presente nos objetivos das lideranças das principais empresas do país. De acordo com levantamento realizado pela Pesquisa Benchmarking: Panorama das Estratégias de Diversidade no Brasil 2022 e Tendências para 2023, 81% das empresas entrevistadas destinaram recursos para ações de diversidade e inclusão. Em 2020, apenas 67% delas reservavam capital para a área.
Em maio deste ano, pesquisa do Indeed, site de empregos com cerca de 360 milhões de visitantes únicos por mês e realizada com mais de 800 trabalhadores brasileiros, mostrou que 68% dos entrevistados acreditam que suas companhias poderiam ser mais inclusivas. Aliás, a diversidade na empresa somente existe quando ela garante que todos os seus funcionários têm as mesmas oportunidades e condições de desenvolvimento.
Vale lembrar que a contratação de pessoas com deficiência vai além de boas práticas. Ela está prevista em lei, com a obrigatoriedade da destinação de 2% a 5% das vagas para PcD em empresas com mais de 99 funcionários.
Mundo Autista participa de Conselho Consultivo do BB
O Banco do Brasil realizou em 29 de setembro de 2023, o primeiro Conselho Consultivo de Diversidade, Equidade e Inclusão com o tema “neurodivergentes”. Já aconteceram, anteriormente, os Conselhos Consultivos sobre os temas LGBTQIAPN+, em julho/23, e sobre gênero, em agosto/23. Os três últimos conselhos estão previstos para outubro, novembro e dezembro. Eles serão, respectivamente, sobre raça e etnia, pessoas com deficiência e gerações.
A Instituição, liderada por uma mulher em 215 anos de existência, tem tratado a Diversidade e Inclusão (D&I) como um de seus valores.
O objetivo desses conselhos é ouvir pessoas da sociedade, no âmbito da academia, política, mercado, influencers e de todos que possam contribuir para o entendimento de desafios e oportunidades nos segmentos marcados, sugerindo mudanças para a instituição. O foco é melhorar a experiência não só com funcionários, mas também com clientes, fornecedores e demais stakeholders (todos os grupos de pessoas ou organizações que podem ter algum tipo de interesse pelas ações de uma determinada empresa.).
O encontro foi rico e potente, pois a presidente Tarciana Medeiros e membros de sua diretoria executiva ouviram seis vozes da comunidade de pessoas neurodivergentes. Participaram do Conselho Tio Faso, autista e influencer negro; a neuropsicóloga Adrianna Reis, o influencer e neurolinguista referência em TDAH, Bruno Nunes; Jéssica Borges, mulher indígena PcD e profissional de inclusão e acessibilidade; Marcelo Vitoriano, CEO da Specialisterne, organização internacional voltada para capacitação e inserção de pessoas autistas no mercado de trabalho. Estive também entre essas pessoas, como comunicadora, criadora de conteúdo, escritora e humanista do canal Mundo Autista. Todos dedicam suas vidas a levar informação confiável e de qualidade para a sociedade.
A presidente Tarciana ressaltou a necessidade de avanço na pauta neurodivergência e, para tanto, a escuta de pessoas é um excelente recurso. Assim, ela conseguiu delinear as primeiras ações para a inclusão de funcionários neurodivergentes. A presidente realçou, ainda, a importância do diagnóstico, do autoconhecimento e da preparação de todas as pessoas para o acolhimento de todos em suas individualidades.
Na ocasião, compartilhei minhas vivências ao lado de minha filha Sophia Mendonça, autista, mulher trans, escritora, criadora de conteúdo e desenvolvedora de software. Entretanto, ao receber o diagnóstico de minha filha, ouvi que ela seria dependente pelo resto da vida. Ao contrário do determinismo pessimista e engessado, Sophia é, atualmente, doutoranda da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, e mora sozinha, longe da família. Ela e eu continuamos à frente do projeto Mundo Autista, embora moremos em estados diferentes.
Foi exatamente por nos sentirmos sozinhas e sem informações confiáveis que resolvemos dedicar a vida a levar mais informação para garantir menos preconceito. Para nós duas, a lamentação e o vitimismo nos condenam à paralisia diante do diagnóstico.
Enfatizei ainda que o desenvolvimento nasce do conflito que não deve se tornar confronto. Para tanto, as diferenças entre as pessoas nos convidam à criatividade para a construção conjunta de alternativas à consolidação de uma sociedade mais humanizada, justa, digna e inclusiva. Ao contrário, a tentativa de igualar os seres humanos nos condena à acomodação e ao estreitamento do cérebro.
Bruno, diagnosticado TDAH já na fase adulta, ressaltou os estereótipos produzidos pela sociedade, como o de que neurodivergentes são preguiçosos. Para Bruno, os estereótipos são julgamentos morais que não trazem solução, além de promoverem o capacitismo.
Tio Faso, uma voz com a interseccionalidade de homem preto, falou das dificuldades de comunicação da pessoa autista com as pessoas neurotípicas. Enfatizou que “entender como o autista se comunica, ajuda a quebrar barreiras e tirar o melhor da gente”. Sobre a transversalidade racial, ressaltou que muitos autistas pretos são mortos por dificuldades de comunicação com a polícia, dado extremamente chocante e alarmante.
Para Marcelo, da Specialisterne, o principal desafio é levantar a informação de quem são as pessoas neurodivergentes de uma empresa. Existe a necessidade urgente de as empresas revisarem seus processos para atrair e reter talentos neurodivergentes. Dessa forma, as empresas vão poder proporcionar acolhimento e ambientes psicologicamente seguros, o que as torna mais humanizadas.
Jéssica trouxe a transversalidade como autista, mãe de autista e indígena. Ela ressaltou que trabalha para que o futuro do filho seja mais fácil do que é para muitos autistas hoje em dia. Ela citou os desafios de pessoas que trazem interseccionalidade, ou seja, além de serem neurodivergentes são pessoas não brancas, LGBTQIAPN+ e/ou mulheres, por exemplo.
A neuropsicóloga Adrianna trouxe a urgência de ações efetivas, para além do simples discurso. E destacou que diagnóstico não é rótulo e sim uma identidade que fala sobre o funcionamento individual da pessoa. Assim, não há opção de ser ou não ser, já que o diagnóstico é um direito, um direcionador necessário. Entretanto, ele não é imprescindível para que possamos olhar para as necessidades individuais das pessoas e acolhê-las prontamente.
Por fim, citamos o artigo da Harvard Business Review, Diversity Doesn’t Stick Without Inclusion, de Laura Sherbin e Ripa Rashid, para lembrar, mais uma vez, que a diversidade não se sustenta sem a inclusão efetiva: “A inclusão é o agir da diversidade. Uma empresa somente será inclusiva se houver o comprometimento de mudança da cultura organizacional com a construção de um espaço de escuta, diálogo e compreensão”.