Tempo de Leitura: 3 minutos
No próximo dia 6.out.2024, os eleitores dos mais de 5.570 municípios brasileiros irão novamente às urnas para eleger prefeitos e vereadores nas eleições municipais. Além de ser uma oportunidade para debater os problemas das cidades, é também um momento importante para ampliar a discussão sobre acessibilidade e inclusão das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na sociedade por meio da implementação de políticas públicas.
Segundo artigo publicado no site Politize, políticas públicas são definidas como um conjunto de ações, programas e decisões tomadas em nível estadual, federal ou municipal, com o objetivo de assegurar direitos a diversos grupos sociais historicamente excluídos, conforme previsto na Constituição Federal de 1988. Pensar em inclusão para autistas vai além de simplesmente garantir um profissional de apoio em sala de aula ou o acesso a terapias para crianças. É preciso desenvolver ações que promovam a inclusão de autistas adultos, diagnosticados tardiamente, e até mesmo na velhice.
Qual a importância de discutir o assunto nas eleições?
É consenso que, em mais de uma década de discussão e conscientização sobre o autismo no Brasil, avançamos bastante no reconhecimento dos direitos das pessoas com autismo, a partir da Lei Berenice Piana, que estabeleceu a Política Nacional de Inclusão da Pessoa com Espectro Autista. No entanto, apesar da importância desse reconhecimento jurídico, essas leis falham ao ignorar outros aspectos essenciais, como o direito ao trabalho para autistas adultos e o acesso a terapias no Sistema Único de Saúde (SUS).
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde revelam que 70% dos pacientes com autismo são usuários do SUS. Ser um autista adulto e depender do sistema público de saúde não é fácil e, muitas vezes, o indivíduo fica obrigado a buscar tratamento na rede particular. Embora a rede particular conte com excelentes profissionais, a maioria conhecedora das necessidades de cada autista, o acesso a esses serviços é caro e disfuncional. Isso ocorre porque muitos profissionais preferem atender crianças em vez de adultos.
Não se discute que quanto mais cedo a criança com TEA for ajudada, menores serão as chances de prejuízos futuros. Mas por que não olhar também para os adultos? O autista não “desaparece” quando chega à fase adulta. E o fato de possuir um menor nível de suporte não significa que não precise de terapias. Pelo contrário, é justamente nessa fase que a intervenção se torna urgente, especialmente com as pressões e cobranças da vida adulta.
Diante dessa nova realidade, uma sociedade mais acessível para autistas passa, prioritariamente, por cidades mais acessíveis. Isso não significa apenas rampas ou atendimentos preferenciais, que também são essenciais, mas sim políticas que busquem garantir o bem-estar e o desenvolvimento humano e social da pessoa com TEA, para que ela tenha uma vida independente e autônoma no convívio social.
Não basta apenas cobrar os direitos nas urnas; é preciso também acompanhar a política no dia a dia
Desde a escola, aprendi que o voto é a única forma legítima de demonstrar insatisfação com alguma coisa no seu país ou na sua cidade. E quanto aos direitos dos autistas, isso não é diferente. Principalmente porque, nos últimos seis anos, temos visto uma crescente insatisfação com a política tradicional brasileira, devido ao fato de que muitos dos representantes eleitos não atendem aos anseios da população.
Com isso, vimos o surgimento de candidatos antissistema que incorporaram a bandeira do autismo em suas campanhas, mas que, no fundo, utilizaram essa pauta como trampolim para se elegerem e depois esquecerem as necessidades cotidianas dos autistas, além de defenderem pautas capacitistas e anticientíficas, visando excluir os autistas do debate público e das decisões de poder.
A questão aqui não é sobre a política em si, que é indispensável para solucionar uma demanda histórica como os direitos dos autistas, mas sim sobre a qualidade das pessoas que elegemos, assim como o histórico de envolvimento com pautas ligadas aos direitos humanos e a representatividade de parlamentares autistas na política.
Recentemente, em 2022, acompanhei a mobilização feita por autistas do estado de São Paulo em prol da candidatura da jornalista Andréa Werner, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, que foi eleita deputada estadual e mais tarde diagnosticada com autismo. Sabemos que o caso de Andréa ainda é uma exceção, visto que o sistema político brasileiro é hostil e extremamente preconceituoso com mulheres e, principalmente, com pessoas com deficiência.
Dessa forma, para que possamos ser ouvidos por aqueles que estão nas estruturas de poder, precisamos não apenas cumprir o nosso dever de voto, mas também participar e acompanhar todos os projetos que impactarão nossas vidas. Porque, para ter direitos, é preciso cumprir deveres. E, infelizmente, nos últimos anos, a comunidade autista tem falhado nesse ponto. Ganha a democracia, mas, sobretudo, ganha a cidadania.