30 de agosto de 2024

Tempo de Leitura: 2 minutos

Diferenças e estranhezas – isso mesmo – o que é diferente sempre tem impacto sobre o outro, e pode gerar certa estranheza. Nestes primeiros sessenta dias de nova morada em Pelotas, no Rio Grande do Sul, percebi que, ao abrir a boca, já denunciava que não era gaúcha. Ao final do papo sempre me perguntavam: “A senhora não é daqui?” Da primeira vez, confesso que pensei: “Uau, como ele sabe?” Depois, ri de mim, ao descobrir que mineiro tem sotaque acentuado. “Uai, eu nem sabia que mineiro tinha sotaque…”.

Minhas diferenças despertam estranhezas

E foi assim, até que ontem, quando senti algo que me incomodou. Fui ao Super, (abreviatura carinhosa que os gaúchos dão a supermercado). No caixa, levei um baita susto pela a rapidez com a qual a embaladora colocou minhas compras nas sacolas e exclamei: “PQP! Você é muito rápida.” Ela assentiu e emendou: Afinal, são 10 anos de supermercado. Mas.. o que é PQP?” Respondi com ingenuidade: “Ah, é uma forma de abreviar puta que pariu, demonstrando espanto, sem querer ser agressiva.” Qual o quê, a jovem, de uns trinta e poucos anos, amarrou a cara, numa expressão para lá de zangada.

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Nesse momento, senti o constrangimento queimar em minhas bochechas. Apressei-me em pedir desculpa. A expressão no rosto dela estava cada vez mais carrancuda, em sinal de desaprovação. Voltei a me desculpar e expliquei, sem graça, que é comum em minha cidade expressões como essa. Além do mais, foi ela que pediu para que eu me explicasse. Infeliz autismo que não me permitiu ver os sinais de reprovação e não explicar nadinha.

Ser feliz é melhor que ter razão

A embaladora não refrescou, já havia me julgado e condenado: “Pois é, mas aqui na ‘minha terra’ a gente não fala palavrão. Saco! Novamente, meu senso de justiça aguçado pelo autismo, me fez retrucar: “Como não? Eu já ouvi isso e aquilo: e soltei dois palavrões daqueles. Continuei: “Já ouvi sim, andando nas ruas.” E ela: “Deve ter sido homem, porque aqui, mulher não fala palavrão. E eu, de novo: “Você realmente me perdoe se eu pareci grosseira, mas já ouvi mulheres falando também.” Ao que ela atirou e acertou bem na mira: “Não eu, pois lá em casa, recebemos boa educação.”

Somente neste instante foi que percebi que não adiantaria tentar me justificar. Como eu não havia percebido antes? Ficou claro que o intuito dela, era tão somente deixar claro que “forasteira” deve se comportar em terra alheia. Resolvi, então, encerrar por ali. Abaixei o olhar e disse em voz firme: “Tchau, obrigada por empacotar minhas compras. E me desculpe, sinceramente, por ter sido grosseira. Afastei-me, mas pude perceber a mudança na expressão da moça. Se eu entendi bem, eu a confundi com o pedido sincero de desculpa.

Como quebrar essas estranhezas que nossas diferenças provocam?

É. Vivendo e aprendendo. Eu já mudei muito depois que recebi o diagnóstico. E exercito dia a dia, para não ceder à minha rigidez cerebral. Naquela situação, o essencial não era ter razão. Não era sequer a situação em si. Isso era o acidental. O essencial eram as diferenças e estranhezas. Eu era de fora e devia entender as regras locais. Eliminando a xenofobia clara da situação, percebi que, se o outro é diferente de mim, antes de brigar, eu preciso entendê-lo. E, agora, eu sempre me exercito para isso.

Sou a pessoa que veio de fora, para dividir as oportunidades oferecidas pela cidade, na visão de alguns nativos. Tudo bem. Não serão minhas palavras mas sim, meu comportamento, que irá esclarecer que não é bem isso. Afinal, o encontro entre pessoas, via de regra, significa a possibilidade de uma troca valiosa que enriquece ambos os lados.

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Jornalista e relações públicas, diagnosticada com autismo, autora dos livros "Minha Vida de Trás pra Frente", "Dez Anos Depois", "Camaleônicos" e "Autismo no Feminino", mantém o site "O Mundo Autista" no Portal UAI e o canal do YouTube "Mundo Autista".

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