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Em um dos meus últimos textos nesta coluna semanal, mencionei brevemente um assunto que me incomoda profundamente ao longo dos últimos cinco anos, acompanhando a militância dentro da comunidade autista: o mau uso do lugar de fala dos autistas nos espaços públicos de debate. Ao mesmo tempo que observamos um avanço no interesse pela discussão sobre o autismo na última década, na prática, isso não se traduziu em uma maior abertura para a participação dos autistas nas discussões sobre temas que afetam a comunidade.
Esse fenômeno ocorre paralelamente ao aumento do número de adultos diagnosticados tardiamente, devido ao maior acesso à informação e ao crescimento dos diagnósticos. Isso, por sua vez, gera a necessidade de discutir políticas públicas que atendam às demandas dessa parcela da população autista na fase adulta e até mesmo na velhice.
Entretanto, a narrativa sobre a melhoria dos processos de acessibilidade e a inserção dos autistas nos espaços públicos de debate, como fóruns, palestras e até mesmo nas Câmaras Municipais e Assembleias Estaduais, continua sendo monopolizada. Esses espaços são ocupados, em sua maioria, por pais ligados a associações de familiares de autistas e por especialistas técnicos.
Antes de mais nada, não estou aqui desmerecendo o papel dessas entidades, que prestam um serviço de grande utilidade pública, especialmente considerando que o SUS ainda não oferece acesso adequado aos tratamentos e terapias para crianças autistas. No entanto, é preciso compreender que os autistas crescem e, ao longo do tempo, desenvolvem outras necessidades que vão além de horas de terapia ABA ou musicoterapia.
Nesse sentido, sendo o autismo um espectro amplo e diverso, será que é realmente democrático discutir apenas as necessidades das crianças autistas, enquanto o restante da comunidade fica fora dos holofotes? Além disso, quando os autistas adultos são convidados para eventos públicos, frequentemente são chamados em troca de permuta e sem remuneração, enquanto vemos médicos e influenciadores ganhando grandes quantias de dinheiro vendendo ilusões, “curas” e até defendendo a reversão de comportamentos autistas, como se fossem autoridades para falar sobre os nossos direitos.
Uma sociedade verdadeiramente inclusiva e acessível será aquela que dá espaço para que os autistas sejam ouvidos diretamente, e não apenas através de representantes. Do contrário, as reivindicações perdem legitimidade. Imagine, por exemplo, um homem discursando em um evento de combate à violência contra a mulher. Seria estranho, não? Da mesma forma, seria esquisito e até antiético uma pessoa branca falando sobre racismo.
Portanto, é essencial que os espaços públicos de discussão abram o diálogo para ouvir os autistas. Caso contrário, se continuarmos como estamos, corremos o risco de nunca avançar e, pior ainda, abrir espaço para que pessoas mal-intencionadas tentem retirar os direitos já adquiridos por nós, autistas.