1 de dezembro de 2024

Tempo de Leitura: 4 minutos

Depressão, ansiedade, automutilação e isolamento social são alguns dos problemas de saúde mental que pessoas com transtorno do espectro do autismo (TEA) e com Transtorno de déficit da atenção com hiperatividade (TDAH) podem encontrar, assim como as pessoas que não se identificam heterossexuais, aquelas com diversidade de gênero. 

A associação com a neurodivergência levanta a questão da inclusão no ambiente clínico internacional de especialistas em autismo e TDAH, onde médicos revelam a necessidade de apoio no seu atendimento a esses indivíduos. Desde a necessidade de cultivar o hábito de perguntar com qual pronome o paciente deseja ser tratado, formulários que incluam mais de duas opções de gênero, até a postura não invasiva e antidiscriminatória, clínicos, em geral, precisam ter conhecimento e receberem capacitação para lidar com um público que, gradualmente, tem a coragem de assumir sua diversidade de gênero e esperar inclusão também nesta opção.

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A jornalista, escritora e doutoranda em literatura, Sophia Mendonça (27 anos), é uma mulher trans e autista que divide suas impressões sobre os dois temas nas suas redes sociais. Baseada na própria experiência, revela que seu maior apoio foi o da mãe, a também jornalista e parceira na plataforma Mundo Autista, Selma Sueli Mendonça. Juntas, são autoras de diversos escritos — livros e artigos — sobre identidade de gênero e autismo, assim como de outros muitos temas na área da cultura e artes em geral. “Naquela época a internet não era como hoje e havia pouca informação sobre o assunto. Minha mãe me orientou a buscar ajuda dos profissionais médicos e psicólogos que nos acompanhavam, no entanto, só encontramos preconceito”, diz Sophia.

Segundo uma recente matéria na revista ADDitude, é essencial que médicos identifiquem a raiz de um problema de ordem emocional e comportamental para que não corram o risco de ignorar um segundo diagnóstico, ou seja, que as dificuldades de pessoas transgênero, não binárias e demais, sejam devidamente atribuídas às possíveis comorbidades que possuam, não imediatamente conferidas,  em razão da diversidade de gênero.

Em várias partes do mundo, pesquisadores estão começando a descobrir o que muitos clínicos e pacientes observam na prática: que a diversidade de gênero é mais frequente em indivíduos dentro do TEA e do TDAH . Apesar disso, são bem poucos os estudos nessa área. 

De acordo com um artigo publicado no Nature Communication Journal, em 2020, 

alguns estudos relativos à sobreposição de diversidade de gênero, TEA e TDAH ainda não são tão claros, apesar de todos terem identificado a correlação. Nesse artigo, 681.860 indivíduos forneceram informações sobre gênero, diagnósticos de transtornos do neurodesenvolvimento e psiquiátricos, incluindo autismo e traços de autismo. Na avaliação, comparados com cisgêneros, os transgêneros e gênero diversos têm, em média, maior incidência de diagnósticos de autismo, transtornos do neurodesenvolvimento e transtornos psiquiátricos. Além disso, tanto os autistas quanto os não autistas transgêneros (TG) e gênero diversos (GD) reportaram maior presença de traços de autismo, sensibilidade sensorial e sistematização, ao mesmo tempo em que apontaram (os próprios participantes) possuir mais baixo nível de empatia. 

As informações no mencionado artigo foram recolhidas de cinco estudos independentes através de um conjunto de dados. A análise do questionário concluiu a necessidade de melhoria no acesso à saúde mental e assistência adequada e individual a pessoas TG e GD. Apesar de os dados datarem de 2020, até o presente momento são poucos os estudos de grande escala sobre a correlação entre neurodiversidade e disforia de gênero. 

Adolescentes gênero diversos

Um dos mais recentes estudos foi publicado na revista  American Academy of Pediatrics, em 2023, e incluiu 919.898 jovens entre 9 e 18 anos, para identificar a coexistência do autismo e da diversidade de gênero. Dos quase 1 milhão de adolescentes, a GD estava presente naqueles com diagnóstico TEA (1,1% versus 0,6%). Interessante fato é que, nessa porcentagem de GD e TEA coexistentes, o sexo de nascimento era o feminino e os indivíduos possuíam seguro de saúde particular. Ao contrário, há menor prevalência entre jovens negros e asiáticos. No Brasil supõe-se que os dados não sejam muito diferentes, o que ratifica a importância da construção de políticas públicas e de serviços que reduzam a disparidade no acesso à saúde mental e emocional de jovens com GD e TEA, e suas famílias, em todos os tipos de situações.

“Profissionais devem entender de interseccionalidades, buscar compreender a incongruência de gênero como diagnóstico, compreender a diferença entre gênero e sexualidade e abandonar rótulos capacitistas ou transfóbicos. Seria um começo da humanização do indivíduo, sabendo que suas características singulares são vistas e seus sentimentos validados, ao invés de encaixá-las em formas pré-concebidas”, afirma Sophia Mendonça. 

O papel da Rede Social

Apesar de haver desinformação nas redes sociais, existem, igualmente, várias networks de identificação para indivíduos que se sentem bem fora do padrão, como é o caso de pessoas neurodivergentes e pessoas com identidades de gênero divergentes do sexo atribuído no momento de seu nascimento.

Através de páginas específicas, canais de Youtube e grupos de chat, essas pessoas falam livremente sobre suas condições, o que as conecta e lhes traz a sensação de pertencimento, uma conexão positiva para o autoconhecimento desses indivíduos. Muitas, inicialmente em grupos LGBTQ+, acabam se reconhecendo nos traços de TEA e/ou TDAH e descobrindo um mundo totalmente novo, onde se sentem compreendidas e validadas. Diariamente, estas pessoas se encontram online para receber o suporte que não têm no seu convívio diário, fora da internet. Sem dúvida, um sinal de que o sistema de saúde mental ainda não supre a demanda de uma comunidade desprovida de acompanhamento e assistência.

As palavras de Sophia são dirigidas àqueles que, neste momento, lidam com o duplo desafio de serem pessoas gênero diversas e, também, autistas: “Aos adolescentes e outros jovens adultos passando pela mesma situação que eu passei, digo para não desistirem do direito de serem quem são. Busquem o diálogo com as pessoas, tentem primeiro entender o que sentem para depois comunicar a estes indivíduos com uma clareza que elas compreendam. E banquem essa posição, se vocês têm certeza dela!”,. Palavras que ecoam nos corações de quem realmente aguarda uma sociedade que respeite todos os tipos de mentes e de identidades sexuais. A humanidade onde todas as vidas importam e recebem o suporte que necessitam para viverem bem. 

Fontes:

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Jornalista, mãe de um autista adulto, radicada na Holanda desde 1985, escritora — autora do livro Caminhos do Espectro (lançado no Brasil em dezembro de 2021) —, especialista em autismo & desenvolvimento e autismo & comunicação, além de ativista internacional pela causa do autismo.

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