1 de dezembro de 2024

Tempo de Leitura: 3 minutos

Nesta segunda parte da reportagem, saiba como o autismo afetou o início da carreira da artista.

Em 1978, aos 14 anos de idade, Courtney foi detida por furto a uma loja e enviada a um reformatório. Foi onde conheceu a obra de artistas como The Runaways e The Pretenders. Esse contato com a arte a levou a perceber uma maneira de subverter as regras sem cometer crimes ou atos que fossem prejudiciais a outras pessoas. Aqui, vale notar como um hiperfoco de uma criança ou adolescente autista precisa de um direcionamento produtivo e prazeroso para a pessoa.  Porém, após tantos conflitos familiares, Courtney viveu em internatos entre a Inglaterra e a Nova Zelândia. Isso aconteceu antes de ela ser emancipada, aos 15 anos de idade, no ano de 1980. Na época, ela contava com uma reserva deixada pelos pais adotivos da mãe, que alguns amigos daquele contexto dizem que ela gastava de maneira infantil, comprando velas e outros itens sem precisar deles.  

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A essa altura, ela já havia entrado e saído de reformatórios, centros de tratamento de drogas, instalações correcionais. Tutores, amigos, família haviam desistido dela. A emancipação não era um sinal de que ela estava negociando bem a vida e não precisava de tutores; isso aconteceu porque ela não conseguia administrar a vida e ninguém mais podia ajudá-la. Courtney trabalhou como DJ em boates gays, além de fazer striptease. Foi esse contato com pessoas LGBT que a fez desenvolver habilidades sociais, pois no começo ela não as evidenciava. Muito disso se deve a técnicas de camuflagem social, que é um conceito quese  refere a estratégias utilizadas por autistas para minimizar o impacto da condição em situações sociais. Uma dessas táticas se dá pela repetição de comportamentos de pessoas próximas.

Gênero e autismo na trajetória de Courtney Love

Aficcionada por rock, Courtney Love tocou em uma série de bandas de vida curta nos anos 1980. Porém, os conflitos internos e a impulsividade da artista, que era vista pelos colegas como alguém egocêntrica e megalomaníaca, foram cruciais para que esses projetos não fossem duradouros. Ela chegou a tocar na famosa banda Faith no More em seu estágio inicial.  Porém, foi dispensada porque a banda queria projetar uma energia masculina e a substituiu por um vocalista homem. Essa situação é um exemplo da interseccionalidade na comunidade do autismo. Afinal, já é difícil para homens autistas encontrarem grupos de afinidades que reflitam os seus hiperfocos.  Mas, quando se é uma mulher autista, essa interação torna-se ainda mais delicada por causa da misoginia enraizada em diversos setores sociais e ambientes profissionais.

O desejo pela fama, entretanto, sempre esteve marcado na trajetória de Courtney Love. “Eu não consigo me lembrar de não sonhar em ser famosa, desde a primeira infância. Minha ambição é indestrutível, mas eu também posso ser terrivelmente autodestrutiva quando algo me frusta”, revelou a cantora. A baixa resistência a momentos de frustração, aliás, é uma característica comum às pessoas autistas.

O surgimento de uma lenda

Após todos esses investimentos mal sucedidos, Courtney foi procurar emprego na indústria cinematográfica. Seu primeiro papel veio no cult “Sid & Nancy”, filme dirigido por Alex Cox. Em sua entrevista para o elenco, a artista não faz contato visual com a câmera e desloca o olhar sem um motivo aparente, enquanto: “vocês podem criar a maior estrela da atual geração: eu!”. Apesar disso, o teste agradou o cineasta responsável pela escalação.  “Nunca vi uma garota tão cheia de si e tão egocêntrica. Gosto de gente com força e energia e ela tinha ambas”, comentou o diretor Alex Cox.

O desempenho de Courtney no filme foi tão aclamado que Cox a convidou para protagonizar o próximo longa-metragem dele, “A Caminho do Inferno”. As gravações da obra foram complicadas porque Courtney se sentia muito acima do peso em sua caracterização. Ela interpretava uma mulher grávida. Então, a equipe deu um jeito de ela emagracer um pouco a cada gravação de cena, paulatinamente, para evitar que o público percebesse essa mudança. Mas, mesmo com todos os esforços envolvidos, o filme foi um fracasso de bilheteria e recebeu críticas majoritariamente negativas.

Foi quando ela decidiu se isolar e trabalhou como stripper no Alasca. Nessa época, Courtney se converteu ao budismo da Soka Gakkai. Essa decisão a encorajou a tentar formar uma banda nova. Ela colocou anúncios em jornais e, em 1989, fundou o Hole. Em seis meses, ela havia ganhado o seu primeiro milhão de dólares, o que a incentivou a se dedicar inteiramente à carreira artística musical.

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Jornalista, escritora, apresentadora, pesquisadora, 24 anos, diagnosticada autista aos 11, autora de oito livros, mantém o site O Mundo Autista no portal UAI e o canal do YouTube Mundo Autista.

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