16 de setembro de 2010

Tempo de Leitura: 5 minutos
Por Sabrina Ribeiro

A primeira pesquisa epidemiológica sobre autismo foi realizada por Lotter em 1966, na Inglaterra. Neste estudo ele relatou um índice de prevalência de 4,5 em 10.000 crianças de 8 a 10 anos (Lotter, 1966).

Desde Lotter, dezenas de estudos já foram realizadas e encontramos atualmente, em estudos mais recentes, uma prevalência em torno de 10 para 10.000 no autismo e de até 60 para 10.000 nos TIDs (Charman, 2002; Fombonne, 2002 Wing e Potter, 2002).

Publicidade
Genioo

As mudanças nas taxas do autismo vêm sendo debatidas com freqüência. Recentemente pensou-se até estar havendo uma epidemia de autismo. Uma das idéias era a de que o uso de vacinas como a tríplice viral (SCR: sarampo/caxumba/rubéola) poderiam estar associadas a manifestação da síndrome. Esta idéia se difundiu e houve uma redução significativa de crianças vacinadas principalmente nos EUA e Europa, fazendo com que doenças que anteriormente estavam erradicadas voltassem a aparecer. Muitos estudos foram realizados e não ficou provada a associação das vacinas com o autismo. Os estudos apontam sim mudanças significativas nos conceitos de autismo e a eficiência dos métodos para se encontrar novos casos como responsáveis por este aumento (Fombonne, 2002).

As principais razões para o aumento na prevalência são:

1)A adoção de um conceito mais amplo: houve uma evolução na terminologia e ampliação do conceito para transtorno do espectro do autismo (Wing e Gould, 1979), sendo entendido como um espectro de condições que formam uma tríade de prejuízos, que podem ocorrer com variações de níveis de severidade e de manifestação (Charman, 2002). Com isso, ampliaram-se os critérios diagnósticos e um número maior de pessoas pode ser diagnosticado dentro desta categoria.

2)Maior conscientização de clínicos e da comunidade sobre as manifestações do autismo: houve um aumento da consciência entre os profissionais e serviços educacionais e um crescimento da aceitação de que o autismo pode coexistir com outras condições (Charman, 2002; Rutter, 2004; Williams e cols, 2006).

3) Melhor detecção de casos sem deficiência mental: com a ampliação do conceito de autismo e o entendimento de que algumas de suas características comportamentais podem estar presentes mesmo que não cumpram todos os critérios para o diagnóstico, aceitou-se que o autismo ocorre com freqüência em indivíduos com inteligência normal, ainda que apresentem freqüentemente déficits na cognição social. Como resultado aumentou o diagnóstico de autismo e TID em indivíduos sem retardo mental e sem prejuízos severos de linguagem.

4) Melhora nos serviços de atendimento a esta população: Desde os primeiros achados nos anos 60, houve um aumento em serviços de educação e terapêuticos para crianças com TIDs e uma consciência pública e profissional do aumento do número de casos.A qualidade e a quantidade dos serviços para jovens com autismo ainda é menor que o ideal, mas são incomparavelmente melhores e bem divulgados do que antes. Como conseqüência, profissionais da saúde e educação têm maior consciência dos TIDs, como também o público em geral. Com isso, é mais provável que hoje em dia estas crianças passem por uma avaliação clínica e seus problemas sejam reconhecidos como fazendo parte dos sintomas de TID. (Wing e Potter, 2002;Rutter, 2004).

5) O aumento de estudos epidemiológicos: com o aumento de estudos epidemiológicos populacionais e com a utilização de métodos padronizados de investigação diagnóstica, como os questionários de triagem, houve uma contribuição para detecção de casos anteriormente não identificados em amostras clínicas. Os estudos em Centros de Referência dependem muito da capacidade de reconhecimento e encaminhamento dos casos pelos profissionais. Em estudos populacionais, existe grande dificuldade em avaliar toda a população, com isso há uma tendência a  depender de indicações. O desenho ideal então seria a pesquisa realizada casa a casa, com avaliação de todos os indivíduos suspeitos. Este modelo de pesquisa infelizmente seria muito caro, o que o torna possível apenas em pequenas populações, o que nem sempre poderia ser uma representação fiel de toda a população. É importante dizer que o aumento nos índices de prevalência do autismo significa que mais indivíduos são identificados como tendo estas condições. Isto não significa que a incidência geral do autismo esteja aumentando (Klin,2006).

Conclusão

As variações de prevalência podem gerar hipóteses etiológicas para autismo e isso é vital para seu entendimento. Estimativas acuradas da exata prevalência podem ser valiosas no planejamento de serviços de diagnóstico e intervenções. Seu planejamento e condição podem ajudar a melhorar a consciência de profissionais da saúde e da educação sobre o autismo e outros graves transtornos do desenvolvimento.

Os dados epidemiológicos indicam que a prevalência dos TGDs atualmente chegam a 1% da população, chegando a  uma média  de 1 para 70 em meninos de 8 anos. Em comparação à estimativa original (4 para 10.000) feita há quatro décadas atrás, as taxas são bem maiores do que se imaginava. Este aumento vem ocorrendo a partir da década de 60, e é, em grande parte, devido à combinação de fatores, incluindo a melhora na avaliação e o alargamento do conceito de autismo.

Apesar das tentativas sobre a possível associação das vacinas com as causas do autismo, não houve nenhuma evidência que sustentasse esta hipótese.

No Brasil dados epidemiológicos desta natureza ainda são escassos (Teixeria e cols, 2010). Pesquisas científicas na área de autismo e dos TIDs são extremamente importantes para uma melhor compreensão dos quadros e dos fatores associados, especialmente em países em desenvolvimento, onde estes dados são extremamente escassos.


Sabrina Helena Bandini Ribeiro é psicóloga clínica e escreveu também sobre ABA nesta edição.


Conteúdo Extra

Referências

  • AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION: DSM-IV. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
  • CENTER FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Prevalence of Autism Spectrum Disorders- Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, Six Sites, United States, 2000. Surveillance Summaries. MMWR, vol. 56, SS-1 p.1-11, 2007.
  • ____________. Prevalence of Autism Spectrum Disorders- Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 14 Sites, United States,2002. Surveillance Summaries. MMWR, vol. 56, SS-1 p.12-28, 2007. __________. Prevalence of Autism Spectrum Disorders — Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, United States, 2006. Surveillance Summaries. MMWR, vol. 58, SS-10 p.1-20, 2009.
  • CHAKRABARTI, S; FOMBONNE, E. Pervasive Developmental Disorders in Preschool Children: Conformation of Righ Prevalence. Am J Psychiatric. Vol. 162, p- 1133-1141, 2005.
  • CHARMAN, T. The Prevalence of Autism Spectrum Disorders: Recent Evidence And Future Challenges. European Child and Adolescent Psyquiatry. Vol.11, n.6, p-249-256, 2002.
  • FOMBONNE, E. Epidemiological trends in rates of autism. Molecular Psychiatric. Vol.7, p S4-S6, 2002.
  • FOMBONNE, E. The Epidemiology of Autism: A Review. Psychological Medicine. Vol. 29, p.769-786, 1999.
  • FOMBONNE, E. Epidemiological surveys of autism and other pervasive developmental disorders: an update. Journal of Autism and Developmental Disorders. Vol. 33, (4), 365-382, 2003.
  • KIELINEN, M; LINNA, S; MOILANEN, I. Autism in Northern Finland. European Child and Adolescent Psychiatric. Vol. 9, p 162-167, 2000.
  • KLIN, A. Autismo e Síndrome de Asperger: uma visão geral. Rev.Bras. Psiquiatr. Vol.28 (supl I); pS3-S11, 2006.
  • LEWIS, M. Tratado de Psiquiatria infantil e da adolescência. Tradução Irineo C. S.Ortiz. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
  • LEWIS, S. M. S.; COSTA DE LEON, V. Programa Teach. Em: Schwartzman, J. S.; Assumpção Jr, F. B. Autismo Infantil (pp.233-263). São Paulo: Editora Memnon, 1995.
  • LORD, C. & RUTTER, M. Autism and Pervasive Developmental Disorders. Child and Adolescent Psychiatry. Modern Approaches, 1994.
  • MERCADANTE, M.T.; KLIN, A. Autismo e Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. Rev. Bras. Psiquiatr. Vol.28, S3-S11, 2006.
  • RIBEIRO, S. H. B. ; AGUIAR, C. L. C. . Transtornos Invasivos do Desenvolvimento: epidemiologia e instrumentos diagnósticos.Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento (Online), v. 6, p. 1-10, 2006.
  • RUTTER, M. Incidence of Autistic Spectrum Disorders: Changes Over Time and Their Meaning. Acta Pediatrica, 2004.
  • TEIXEIRA,M.C.T. ; MECA, T ; VELLOSO, R ; RIBEIRO, S. H. B. ; MERCADANTE, M. T. ; PAULA, C. . Produção científica brasileira sobre Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. Revista da Associação Médica Brasileira , 2010.
  • WILLIAMS, J.G.; HIGGINS, JPT; BRAYNE, CEG. Systematic Review of Prevalence Studies of Autism Spectrum Disorders. Arch. Dis. Child, vol 91, p.8-15, 2006.
  • WILLIAMS, K.;GLASSON,E.; WRAY,J.;TUCK,M.; HELMER,M;BOWER,C; MELLIS, C. Incidence Of Autism Spectrum Disorders In Children In Two Australian States. MJA, vol 182,n 3, p 108-111, 2005.
  • WING, L; GOULD, J. Severe Impairments of Social Interaction and Associated Abnormalities in Children: Epidemiology and Classification. Journal of Autism and Developmental Disorders. Vol. 9, n. 1, p 11-29, 1979.
  • WING, L.; POTTER, D. The Epidemiology of Autistic Spectrum Disorders: Is the Prevalence Rising? Mental Retardation and Developmental Disabilities Research Review. Vol. 8, p 151-161, 2002.
  • WORLD HEALTH ORGANIZATION. Classificação dos Transtornos Mentais e do Comportamento da CID-10. Tradução Dorival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993. 351 p.
COMPARTILHAR:

Na intervenção fonoaudiológica é preciso avaliar e tratar o quanto antes

É possível identificar o Autismo Infantil antes dos 2 anos de idade

Publicidade
Assine a Revista Autismo
Assine a nossa Newsletter grátis
Clique aqui se você tem DISLEXIA (saiba mais aqui)