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Perdoem-me os positivistas de plantão, mas não dá para bancar sempre a “Pollyana” (personagem do clássico infanto-juvenil de Eleanor H. Porter) e seu “Jogo do Contente”. Enquanto a sociedade insistir no discurso de que “maternidade” é tudo igual, escorada no fajuto argumento de que assim não promove segregação, mães que têm filhos com deficiência, as chamadas mães atípicas, continuarão morrendo.
Talvez você não saiba, mas o índice de suicídios entre esse grupo de mães é alto, extremamente alto. E por que? Veja bem o que diz um estudo feito com famílias norte-americanas divulgado no Journal of Autism and Developmental Disorders: o nível de estresse experimentado por mães de pessoas com TEA (Transtorno do Espectro do Autismo), por exemplo, assemelha-se ao estresse crônico apresentado por soldados combatentes. Sim, é isso mesmo que você leu: nós vivemos em um estado constante de alerta, de vigilância, em um contexto em que qualquer descuido pode virar tragédia.
Os estudos científicos sobre a saúde mental da mãe atípica não param por aí: de acordo com uma das revistas mais conceituadas entre a classe médica, a Plos One, mães de crianças com autismo ou deficiência intelectual têm o dobro de risco de morte do que as mães típicas. A pesquisa foi realizada na Austrália e ainda mostrou que esse público tem entre 40% e 50% de chance a mais de desenvolver câncer, 150% a mais de risco de doenças cardiovasculares, e 200% a mais de se envolver em acidentes diversos.
Você pode pensar…qual o estopim para esse cenário? A resposta não é única; na verdade, ela é multifatorial. Muitas das crianças com deficiência, dependendo da gravidade do quadro, vão precisar de suporte a vida toda, e esse amparo será dado apenas pela mãe. Dá-lhe mais uma pesquisa esclarecedora (ou estarrecedora?): segundo dados divulgados pelo Instituto Baresi, em 2012, no Brasil, cerca de 78% dos pais abandonaram as mães de crianças com deficiências e doenças raras, antes dos filhos completarem 5 anos de vida.
Aliado ao estresse crônico do dia a dia e à falta de rede de apoio somam-se ainda o déficit de profissionais capacitados para atendimento das crianças com deficiência, os altos custos do tratamento (que podem chegar a R$ 50 mil mensais), o baixo poder de absorção de demanda pelo SUS, a falta de tempo que a mãe atípica tem para si mesma…
Só esta lista, que exclui outras preocupações, como a luta constante pela inclusão escolar, o combate ao bullying e ao preconceito, além do descaso com a acessibilidade, é mais do que suficiente para deixar a mãe atípica esgotada. Portanto, não tirem nosso lugar de fala. Não venham nos dizer que a “maternidade é una”, que é uma coisa só. Não é. Se esse sofisma não for derrubado o mais rapidamente possível continuarão a faltar políticas públicas para as mães atípicas, afinal, para quem não existe, para quem ainda é invisível, não há necessidade de amparo, de equidade, certo?
Mas queira a sociedade ou não, nós existimos, assim como nossos filhos com deficiência. A inclusão é um caminho sem volta, como costuma dizer uma amiga. Cabe a cada um fazer a escolha certa e trazer à tona um assunto que não dá mais para ficar debaixo do tapete.