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Criado em 1993 por meio da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) nº 8.742, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um benefício destinado a atender pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social e não conseguem se sustentar. Seu público-alvo são pessoas idosas e pessoas com deficiência, incluindo aquelas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que têm direito a receber uma quantia equivalente a um salário mínimo.
O BPC é pago pelo Governo Federal por meio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que é o órgão responsável por gerenciar os pagamentos, bem como verificar os critérios de elegibilidade. No caso das pessoas com deficiência, têm direito ao benefício aquelas que possuem limitações físicas, intelectuais, mentais e motoras, além de problemas permanentes de saúde, incluindo autistas.
Embora o autismo não seja uma doença, mas sim um transtorno frequentemente associado a comorbidades, como ansiedade, dificuldades na fala, resistência a sons, cheiros e texturas, muitas pessoas autistas enfrentam dificuldades para acessar o benefício. Isso se agrava pelo fato de que, segundo levantamento do IBGE de 2019, 85% dos autistas estão desempregados e, portanto, não conseguem se sustentar.
Famílias recorrem à Justiça para garantir o pagamento do benefício, diante da omissão do Estado em assistir à população autista
A Assistência Social é um direito previsto na Constituição Federal de 1988. No entanto, o Estado brasileiro tem falhado em implementar políticas públicas eficazes para a população com deficiência, que historicamente foi marginalizada dos centros de poder econômico e político. Segundo levantamento do IBGE de 2023, o Brasil possui mais de 18 milhões de pessoas com alguma deficiência. O instituto estima que cerca de 2 milhões dessas pessoas sejam autistas.
Apesar de, na última década, ter havido um aumento na conscientização sobre o transtorno, bem como a aprovação de legislações para assegurar os direitos dos autistas, ainda há um descompasso entre o que está previsto na lei e a realidade.
No caso do BPC, conheço vários relatos de autistas que tiveram a concessão do benefício negada porque os técnicos do INSS não reconhecem o autismo como uma deficiência, o que é um equívoco grave. Diante dessa situação, muitas famílias se veem obrigadas a recorrer à Justiça, um caminho complexo e extremamente moroso.
De acordo com dados divulgados pelo painel Justiça em Números, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2024, a média mensal de processos contra o Governo Federal para garantir benefícios sociais aumentou quase 20%, em comparação ao mesmo período de 2023. Em média, foram 67.236 casos por mês, em comparação com 56.875 no ano anterior.
A maioria dos processos que tramitam no Judiciário são referentes à concessão de benefícios assistenciais, como o Bolsa Família e o BPC para pessoas com deficiência, conforme noticiado pelo jornal O Globo em setembro deste ano. O tema voltou ao debate público, principalmente porque a União enfrenta dificuldades para equilibrar as contas, devido ao aumento dos gastos com a Previdência Social no atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Esse problema decorre da redução do percentual da População Economicamente Ativa (PEA). Na década de 1980, o índice era de 9 trabalhadores para cada aposentado. Hoje, esse número caiu para 4,5 trabalhadores para cada aposentado. Com a diminuição da população em idade de trabalhar e o aumento do número de idosos, os gastos com aposentadorias têm crescido.
Essa tendência global pode ser explicada por dois fatores: primeiro, a Reforma Trabalhista de 2017, que enfraqueceu vários direitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e, segundo, a Reforma da Previdência de 2019, que extinguiu o Regime de Aposentadoria por Tempo de Contribuição. Com mais pessoas na informalidade e com dificuldades para se sustentar, uma das soluções para garantir o pagamento do BPC é a mudança nas regras.
A atualização das regras não é uma caça às bruxas, mas sim uma forma de garantir que o BPC seja pago para quem realmente precisa
Quando a Lei da Assistência Social foi criada há mais de três décadas, o Governo legislou de acordo com a realidade do Brasil daquela época, que vivia um momento pós-redemocratização, com milhares de pessoas na linha da pobreza, incluindo idosos e pessoas com deficiência. Naquele período, aliás, não havia tanto conhecimento sobre deficiências mentais e transtornos como o autismo.
Além disso, a tecnologia ainda era pouco avançada, o que dificultava a detecção de fraudes no sistema previdenciário. Diante desse cenário, as atualizações na legislação são necessárias para adequar a política de Assistência Social à nova realidade brasileira e evitar fraudes, bem como para incluir a população autista entre os beneficiários do BPC.
É essencial que o Governo Federal amplie a rede de Assistência Social voltada à população autista. Apesar de alguns receberem o BPC, o valor pago nem sempre é suficiente para cobrir as despesas com saúde e alimentação, dado o alto custo de vida. A inclusão deve ser vivida no dia a dia, longe dos holofotes e dos centros de poder, e não apenas a cada quatro anos, durante as eleições.