6 de setembro de 2024

Tempo de Leitura: 3 minutos

Durante a semana, como de costume, antes de escrever minhas colunas para o site da Revista Autismo, realizo uma busca minuciosa por assuntos relevantes para trazer ao conhecimento dos leitores. Foi assim que, enquanto navegava pelo meu feed nos stories, por coincidência, encontrei um vídeo no perfil de um colega autista, publicado pelo perfil Autismo e Inovação, gerido pelo professor Guilherme Bastos. O vídeo trazia um alerta de utilidade pública para a comunidade atípica.

Na publicação, Guilherme informava sobre um problema no Projeto de Lei Complementar Número 68 (PLP 68/24), que regulamenta a Reforma Tributária no Senado Federal. O projeto é responsável por regulamentar os trechos da Emenda Constitucional número 45/2019, promulgada no final do ano passado pelo Congresso Nacional.

Publicidade
Matraquinha

O problema está no fato de que o texto aprovado pela Câmara dos Deputados no ano passado, e que agora está sendo discutido pelo Senado, apresenta novas regras para a aquisição de veículos com alíquota zero por meio de dois novos tributos: o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS).

O texto em discussão pelos senadores mantém as categorias de deficiência previstas em lei, que atualmente têm direito ao benefício, tais como: física, auditiva e mental, nas modalidades severa ou profunda, além de pessoas autistas, menores de idade, por meio de seus representantes legais. No entanto, ele não permite o acesso ao benefício para condutores autistas de nível de suporte 1.

A justificativa apresentada é que essas deficiências não causam comprometimento na comunicação, na locomoção ou no desempenho de suas funções. Portanto, conforme o texto relatado pelo Senador Eduardo Braga (MDB-AM), apenas autistas de nível 2 (moderado) e de nível 3 (severo) teriam direito ao carro com desconto.

Em primeiro lugar, o artigo 138 do PL 68/24 é absolutamente inconstitucional e discriminatório, pois fere os princípios da isonomia e da não discriminação previstos na Constituição Federal de 1988, além de violar a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Ao preterir os autistas de nível 1 em detrimento dos outros níveis de suporte, o texto parece ignorar que autistas crescem, atingem a fase adulta e continuam a precisar de apoio.

Aliás, o autismo não virou moda, como muitos dizem por aí. O que acontece é que temos visto um aumento no número de diagnósticos de adultos com autismo, diagnosticados tardiamente, devido ao maior acesso a profissionais capacitados para realizar esses diagnósticos. Ainda que de forma desigual em nosso país continental, onde 70% das pessoas com autismo são usuárias do Sistema Público de Saúde (SUS). E mesmo sendo um patrimônio nacional, o SUS ainda carece de profissionais para atender autistas na fase adulta e até mesmo na velhice.

Nesse sentido, é preocupante ver o descolamento dos congressistas da realidade ao ignorarem essa situação e ao advogarem apenas pelos direitos das crianças. É claro que ninguém discute a importância do diagnóstico precoce para minimizar os prejuízos futuros para a criança, mas é igualmente preocupante ver que um movimento que luta por maior inclusão nos espaços de poder e de convivência está em silêncio diante dessa tentativa de retirar os direitos adquiridos dos adultos autistas. Como podemos construir uma sociedade mais acessível e acolhedora se estamos segregando autistas com base em uma visão limitada da realidade complexa e diversa da nossa sociedade heterogênea?

Considerando que o governo eleito teve como uma de suas bandeiras a luta pelos direitos das Pessoas Com Deficiência (PCDs), e que na gestão anterior esses direitos sofreram vários ataques, é essencial que a comunidade autista esteja atenta a qualquer tentativa de retrocesso, especialmente quando se trata de práticas discriminatórias e anticientíficas que visam afastar as PCDs dos espaços de poder.

Quem é adulto autista, como eu, diagnosticado tardiamente, sabe como a vida é difícil atualmente. Além de enfrentar dificuldades de acesso a terapias, também há barreiras no mercado de trabalho, que ainda é bastante hostil, com práticas e processos pouco acolhedores, apesar de termos um contingente de profissionais neurodivergentes extremamente talentosos, esperando por uma oportunidade para mostrar seu potencial.

Autistas criam petição online para sugerir mudanças no texto

Após o vídeo de Guilherme Bastos viralizar rapidamente nas redes sociais, vários autistas começaram a se mobilizar. Inclusive, criaram um abaixo-assinado virtual na plataforma Change.org, com o objetivo de coletar 1.500 assinaturas para sugerir a emenda destaque 608, de autoria da Senadora Mara Gabrilli (PSB-SP), para manter os direitos adquiridos das pessoas com TEA.

Até o momento em que escrevo este texto, o manifesto já conta com quase 1.200 assinaturas, e a expectativa é de que essa marca seja atingida até o final da primeira semana de setembro. Com isso, a petição será encaminhada ao Senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da proposta no Senado.

Clique aqui e assine o abaixo assinado virtual

COMPARTILHAR:

Jornalista, autista e ativista na luta antirracista.

APAE no interior de SP lança livro sobre autismo feito por PCD

Autistas comentam minissérie de Miguel Fabella, protagonizada por autista

Publicidade
Assine a Revista Autismo
Assine a nossa Newsletter grátis
Clique aqui se você tem DISLEXIA (saiba mais aqui)