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Semana passada eu falei sobre um tema espinhoso. Assim, eu comentei sobre aspectos da autonomia ligados à sexualidade. Afinal, uma pessoa autista pode ter condições coexistentes que dificultam essa interação. Ou mesmo, por causa do autismo, evidenciar certa ingenuidade. Ou seja, uma tendência a ser presa fácil para relacionamentos abusivos.
A gente, no entanto, precisa de afeto. Tanto no sentido do encontro com a outra pessoa, do amor e da companhia, quanto no aspecto sexual. Claro que existem pessoas assexuais, que também devem ser respeitadas e levadas em consideração. Há casos e casos e todos os aspectos devem ser avaliados.
Pensando nessa questão, fiquei mexida com o último texto. E resolvi trazer o conceito de acessibilidade amorosa. Ele foi desenvolvido pelas pesquisadoras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sônia Caldas Pessoa e Mariana Cecília da Silva. Inclusive, escrevi um artigo com a Sônia, minha orientadora no Mestrado, sobre o Transtorno do Espectro Autista e a Acessibilidade Amorosa.
Mas o que seria essa acessibilidade amorosa? As pesquisadoras partem de um conceito desenvolvido pela própria Sônia, a acessibilidade afetiva. Essa noção seria para que as relações comunicacionais entre pessoas com e sem deficiência fossem encontros em que a condição não implicasse em um impedimento para essa conversa/relação ocorrer.
Assim, a única barreira que haveria nesses relacionamentos seriam os próprios acordos entre as pessoas envolvidas. Claro, a gente coloca limites nas relações com as pessoas de acordo com nossos desejos. Já a acessibilidade amorosa expande esse conceito para a possibilidade de as pessoas com deficiência despertarem interesse e atração em outros indivíduos. Desse modo a partir do interesse haveria uma troca, uma relação. Afinal, o sujeito com quem a pessoa autista vai se relacionar não deve carregar o papel de um cuidador. Ou uma extensão da própria pessoa. E sim, alguém que mantenha uma relação de igual para igual.
Pensando na minha própria experiência, confesso que me identificava com alguns comportamentos da personagem autista Benê, das séries “Malhação: Viva à Diferença” e “As Five”. Em um determinado capítulo, ela beija um amigo e fica na dúvida sobre o status da relação entre eles. Afinal, ela ficava confusa se eles eram crushes, ficantes ou namorados, porque não via a possibilidade de uma simples amizade englobar um beijo daquele.
O autista tem uma maneira mais concreta de experienciar a realidade. Por outro lado, o amor apresenta um caráter mais abstrato. É um sentimento, algo que você sabe o que é, mas torna-se difícil para definir em palavras. Nos meus inícios de relacionamentos, muitos dos quais nem chegaram a se concretizar, eu senti essa confusão. Qual é o status desse relacionamento? Além disso, existem outros fatores relevantes à discussão sobre amor e sexualidade no autismo, como as sensibilidades sensoriais. Mas, todos nós, temos o direito de construir algo com alguém.
No artigo “Transtorno do Espectro Autista e Acessibilidade Amorosa”, chegamos à conclusão de que não existem fórmulas prontas para o amor ou acessibilidade amorosa. Isso, no entanto, não nos exime da responsabilidade de refletir sobre como podemos ser mais acessíveis em nossos encontros cotidianos. Nos nossos relacionamentos.
A gente merece o amor. E não um amor que venha, no pacote, com a violência. Qualquer que seja essa violência. Amor e violência não combinam. A gente merece olhar para si e descobrir o próprio prazer, também. Não é somente sobre como a gente vai agradar o outro. A gente merece descobrir com o outro essa coisa gostosa que é o amor. Numa via de mão dupla. E como canta Rita Lee, “ah, o amor… hummm, o sexo”.