29 de novembro de 2024

Tempo de Leitura: 3 minutos

Engana-se quem pensa que o autismo virou moda ou que “todo mundo é um pouco autista”. Como já mencionei brevemente em outras colunas, o assunto passou a ser discutido com maior frequência no Brasil graças a dois fatores essenciais: o aumento no número de diagnósticos e o acesso à informação.

Especificamente por conta desse último fator, cresceu também o interesse pela abordagem do autismo nas produções audiovisuais brasileiras e estrangeiras. Diferentemente das produções norte-americanas, onde o tema é explorado com maior frequência e profundidade — abordando não apenas o diagnóstico na infância, mas também os desafios da vida adulta, como universidade, primeiro beijo, trabalho e o despertar da sexualidade —, no Brasil, esse tipo de abordagem ainda é tímido e recente.

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A primeira grande produção brasileira que tratou sobre autismo foi a novela Amor à Vida (2013), exibida pela Globo e escrita por Walcyr Carrasco. A trama apresentou a personagem Linda, interpretada por Bruna Linzmeyer, uma jovem autista de nível de suporte 3, condição que requer maior suporte. Durante a história, Linda se envolve com Rafael (Rainer Cadete), com quem se casa no final da novela.

Quatro anos depois, em 2017, outra produção de destaque foi Malhação – Viva a Diferença. Nessa trama, a personagem Benê, interpretada por Daphne Bozaski, é uma jovem autista de nível de suporte 1, anteriormente conhecida como Síndrome de Asperger. Após um encontro inusitado em um vagão de trem, ela faz amizades que a ajudam a lidar com o capacitismo e a viver experiências como o primeiro amor.

Representação é essencial, mas se não for bem feita, pode reforçar estereótipos

Não há dúvidas de que as produções audiovisuais são importantes ferramentas de transformação social, provocando mudanças significativas ao retratar temas relevantes em novelas, filmes ou séries. Porém, como o autismo ganhou maior evidência recentemente no Brasil, ainda há poucas produções nacionais que abordam o tema. Quando isso ocorre, os resultados apresentam tanto acertos quanto erros.

No caso de Linda, em Amor à Vida, houve questionamentos por parte de autistas: como uma jovem com autismo severo poderia namorar e casar com alguém neurotípico, sendo que precisava de suporte constante? Embora existam opiniões divergentes, acredito que não devemos invalidar o direito ao amor de uma pessoa apenas por sua condição. Com os cuidados e apoios necessários, isso é perfeitamente possível. No entanto, faltou à trama um melhor assessoramento para evitar que o enredo soasse forçado ou caricato.

Por outro lado, em Malhação – Viva a Diferença, o autor Cao Hamburger acertou ao criar uma personagem que mostra as dificuldades de quem recebe um diagnóstico tardio, especialmente no enfrentamento do capacitismo e da exclusão social. A trama foi ágil, dinâmica e bem-recebida pelo público, tendo, inclusive, conquistado o Emmy Internacional de Melhor Série Juvenil em 2018.

Produções estrangeiras e a importância da diversidade

Produções internacionais, como Atypical (2017, Netflix), The Good Doctor (2015, Globoplay) e Uma Advogada Extraordinária (2022, Netflix), também foram bem-sucedidas em termos de público. No entanto, o impacto dessas histórias nem sempre resultou em mudanças significativas no comportamento social ou na inclusão de autistas em seus elencos.

A falta de diversidade foi um ponto criticado, especialmente em Atypical. Embora a série tenha sido elogiada pela crítica e pela comunidade autista nos Estados Unidos, a ausência de atores autistas nas primeiras temporadas gerou controvérsias. Felizmente, os roteiristas reconheceram o erro e introduziram personagens autistas nas temporadas finais.

É importante lembrar que cada autista é único. Embora muitas dessas produções sejam inspiradas em situações reais, nem todos os autistas serão gênios, bem-sucedidos profissionalmente ou filhos de celebridades. São seres humanos com angústias e inquietações, como qualquer outra pessoa. O primeiro passo para entender isso é o respeito.

A importância da representatividade autista nas produções audiovisuais

Como já mencionei, mudar uma realidade historicamente construída de preconceito e capacitismo leva tempo. No caso da representatividade no audiovisual, esse processo se fortalece à medida que personalidades públicas ganham destaque após receberem um diagnóstico tardio. Exemplos disso são os atores Anthony Hopkins, conhecido por papéis como o Zorro, e as atrizes Letícia Sabatella e Leilah Moreno.

Esses artistas, diagnosticados com autismo de nível de suporte 1, mostram que é possível alcançar o sucesso, seja nas artes ou em qualquer outra área, independentemente do diagnóstico. No caso de Letícia e Leilah, elas ainda trazem à tona um tema pouco explorado: o diagnóstico tardio em mulheres, já que a maioria dos autistas diagnosticados são homens.

A representatividade dessas personalidades contribui para desmistificar mitos e construir uma sociedade mais inclusiva. Com o tempo, acredito que falar sobre autismo no Brasil será tão natural quanto discutir a vida de pessoas com Síndrome de Down.

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Jornalista, autista e ativista na luta antirracista.

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