Tempo de Leitura: 3 minutos
Caso da fala capacitista do pastor paraense reforça o alerta sobre os cuidados aos quais comunicadores e figuras públicas ao falarem sobre autismo.
No último dia 19 de julho, chamou a atenção a divulgação da fala capacitista do pastor Washington Almeida, da Assembleia de Deus, na cidade de Tucuruí, no interior do Pará, sobre os autistas. Ao associar de forma pejorativa e sem embasamento científico, associou o nascimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) à visita do demônio às crianças na barriga de suas mães.
A fala foi registrada durante o Congresso de Celebração aos 90 anos da Assembleia de Deus no Estado do Pará, no último dia 12 de julho. E gerou revolta e indignação no movimento autista, assim como na opinião pública em geral. Ao mesmo tempo, esse triste e lamentável episódio revela a necessidade urgente da responsabilização de pessoas públicas por condutas discriminatórias contra pessoas com deficiência.
Durante as minhas aulas de ética em jornalismo na faculdade, aprendi que um dos pilares básicos do código de ética da profissão é ser responsável por aquilo que você noticia. Porque a informação, mais do que um direito fundamental das democracias, antes de tudo é também um negócio, que se dada de forma errada, é capaz de mudar para sempre a vida de milhares de pessoas.
Liberdade de expressão não é salvo-conduto para atacar minorias historicamente excluídas
Segundo a Constituição Federal de 1988, o Brasil é um estado laico, ou seja, sem uma religião oficial. Assim como assegura o direito à liberdade de expressão e ainda de crença. Por outro lado, isso não justifica que figuras públicas proeminentes, sejam elas religiosas ou não, utilizem seus lugares de fala para incitar e ao mesmo tempo discriminar minorias como as pessoas com deficiência, historicamente excluídas pela sociedade brasileira.
Viver em uma democracia pressupõe não apenas ter acesso a direitos básicos e fundamentais a todo e qualquer ser humano, mas também exige deveres, dentre eles o de respeito às diferenças, principalmente de nós autistas. A fala desse líder religioso, aliás, demonstra desconhecimento e completa ignorância sobre o assunto que, aliás, não é algo novo neste século, uma vez que começou a ser discutido por aqui no Brasil muitos anos atrás. Isso ocorreu graças ao aumento de diagnósticos devido a mudanças nos manuais médicos, que contribuíram para que o diagnóstico fosse descoberto precocemente, além da conscientização sobre o assunto, ainda que a passos de tartaruga.
O autismo não é uma doença, mas sim um transtorno global de desenvolvimento que causa prejuízos à interação social, assim como à parte motora e à fala, em alguns níveis de suporte. Ainda não existem maiores conclusões relacionadas sobre a origem desta condição, nem mesmo uma suposta cura para ela. O que se sabe é que é uma condição hereditária e de origem genética.
Em mais de uma década com conhecimento sobre autismo, nós autistas tivemos importantes conquistas na área jurídica, como a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, pela Lei 12.1764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, e ainda a Lei 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão. Que, no papel, são pioneiras, mas na prática apresentam falhas na execução, sobretudo quanto a punições a atos discriminatórios.
Polícia Civil e MP do Pará abrem investigação sobre a fala do pastor
Depois da repercussão negativa na mídia e nas redes sociais, a Polícia Civil do Pará e o Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA) instauraram um inquérito para investigar o discurso feito por Washington Almeida neste culto, realizado no sudeste do Pará, após denúncia feita por pais, mães e familiares de pessoas com Transtorno do Espectro Autista.
Em nota, a igreja Assembleia de Deus repudiou as falas do pastor e disse que suas falas são de inteira responsabilidade dele e que não comunga de suas opiniões expressas. Já o religioso usou suas redes sociais para se retratar do seu discurso e demonstrou seu arrependimento pelas suas colocações equivocadas sobre o autismo.
Portanto, esperamos que a justiça paraense faça uma apuração rigorosa dos fatos e faça cumprir o que está previsto em lei. Porque uma sociedade inclusiva não é somente oferecer oportunidades iguais para todos os autistas, não importa o gênero, etnia ou mesmo sua orientação sexual, mas também garantir o respeito a direitos básicos que têm sido desrespeitados em nome da disseminação do ódio e da intolerância aos autistas.