11 de novembro de 2024

Tempo de Leitura: 4 minutos

Por Pedro Henrique Silva Ferreira

A publicação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) em 2008 não apenas reafirma os princípios democratizantes da escolarização de pessoas com deficiência na escola comum, como também permite que a sociedade brasileira observe a inclusão como um processo que ultrapassa a oferta de serviços específicos para essa parcela da população. A inclusão é uma expressão de resistência às práticas segregadoras que, historicamente, naturalizam as desigualdades sociais experienciadas por pessoas com deficiência (Freitas, 2023).

Entre os avanços sociais estimulados pela utilização de uma perspectiva inclusiva para a construção de uma educação democrática, podemos evidenciar as pesquisas científicas voltadas à educação especial, responsáveis pelo desenvolvimento de categorias como acesso, acessibilidade e inclusão. Por vezes, apesar de serem utilizadas como sinônimos na escolarização de pessoas autistas, essas categorias expressam ideias essencialmente distintas, ainda que indispensáveis para projetar a escola como um “ecossistema inclusivo” (Freitas, 2023, p.3).

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ExpoTEA

No contexto educacional, o acesso indica a possibilidade de frequentar a escola e participar das atividades escolares. Ele é o condutor da democratização e universalização dos direitos. Por outro lado, a acessibilidade é uma noção que excede a de acesso. Ela envolve a adaptação de ambientes e a utilização de recursos capazes de serem utilizados por todos os estudantes. Já a inclusão é definida como uma movimentação global e permanente que recruta as práticas de acesso e acessibilidade para estabelecer um sistema educacional que contemple as diversidades.

Diferenciar as definições de acesso, acessibilidade e inclusão é fundamental para compreender as especificidades dos desafios que compõem a educação inclusiva de pessoas autistas. Representando as particularidades e complementaridades de cada etapa necessária para a criação de um ambiente escolar inclusivo, essas categorias nos auxiliam no (1) estabelecimento de metas, (2) evitamento de reducionismos, (3) aperfeiçoamento de práticas pedagógicas, (4) avaliação de políticas e (5) respeito pelas diferenças.

A relevância da primeira etapa da pesquisa realizada pelo Mapa Autismo Brasil (MAB, 2024) é particularmente evidente ao se observar os dados de escolaridade dos indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Distrito Federal. Esses dados mostram um cenário preocupante: 36,49% dos estudantes com TEA frequentaram apenas a Educação Infantil, indicando uma dificuldade de transição para o Ensino Fundamental, e 5,65% jamais estudaram, o que revela um abandono intelectual estatal significativo para essa população. Comparado ao cenário educacional brasileiro, onde o Ensino Fundamental é amplamente completado pela maioria dos estudantes com desenvolvimento típico, esses índices refletem as desigualdades enfrentadas pelas pessoas autistas.

Além disso, o levantamento do MAB também aponta que apenas 0,94% dos estudantes com TEA concluíram o Ensino Fundamental. No Ensino Superior, a discrepância diminui levemente, com 5,47% dos respondentes completando a graduação e 4,77% não a concluindo. No entanto, um dado alarmante é que 31,72% dos respondentes informaram não utilizar nenhum tipo de adaptação em seu período escolar, o que reforça a falta de acessibilidade nas escolas. A inclusão de estudantes com TEA ainda enfrenta grandes obstáculos no sistema educacional brasileiro, como a falta de mediadores ou monitores — recurso que apenas 37,43% dos alunos autistas tiveram acesso. Muitas famílias precisam recorrer à justiça para garantir esse direito, tornando o processo ainda mais exaustivo.

Outro ponto relevante é o uso de turmas reduzidas, que 37,02% dos alunos com TEA tiveram acesso, e que são fundamentais para oferecer um ambiente de maior estímulo e atenção às demandas específicas. O uso de comunicação aumentativa foi uma ferramenta utilizada por apenas 59 dos 1.699 respondentes, evidenciando a necessidade de ampliar a capacitação dos profissionais para o uso de formas alternativas de comunicação, essenciais para muitos estudantes.

Ainda no contexto de adaptações, 14% dos alunos com TEA estudaram em classes especiais, uma modalidade que, embora necessária para alguns casos, não deve substituir a convivência e interação com os pares em classes regulares, quando possível. Além disso, 30,67% dos alunos utilizaram salas de recursos, que têm o papel de complementar ou suplementar a formação dos estudantes, embora o acesso a essas salas ainda seja limitado.

Por fim, um dado extremamente preocupante diz respeito ao Plano Educacional Individualizado (PEI), com apenas 19,13% dos alunos autistas tendo acesso a esse documento essencial. O PEI é crucial para orientar o planejamento pedagógico de forma personalizada, mas sua baixa implementação indica uma lacuna significativa na educação inclusiva. Sem um PEI bem elaborado, as estratégias pedagógicas perdem eficácia, prejudicando o desenvolvimento educacional de muitos estudantes com TEA.

Esses dados reforçam a necessidade urgente de políticas educacionais mais eficazes que assegurem não apenas o acesso à escola, mas também a acessibilidade e inclusão de maneira mais equitativa. As barreiras enfrentadas pelos estudantes autistas — como a ausência de Plano Educacional Individualizado (PEI), adaptações razoáveis e a violência do bullying — demonstram que garantir o acesso não é o suficiente. Portanto, a inclusão plena só será alcançada quando as políticas públicas forem capazes de atender às necessidades específicas dessas crianças e jovens.

Referências

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Básica 2023: notas estatísticas. Brasília, Distrito Federal: Inep, 2024.

FREITAS, Marcos Cezar de. Educação inclusiva: diferenças entre acesso, acessibilidade e inclusão. Cadernos de Pesquisa: São Paulo, v.54, 2023.

MAPA AUTISMO BRASIL (MAB). Relatório Etapa 1 Distrito Federal, 2024.

Pedro Henrique Silva Ferreira é psicólogo, mestre e doutorando em Educação, pesquisador com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), membro da Organização Neurodiversa pelos direitos dos Autistas (ONDA-AutismoS) e pesquisador no Mapa Autismo Brasil (MAB).

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