1 de setembro de 2024

Tempo de Leitura: 4 minutos

Não fiz um grande planejamento quando decidi me inscrever no mestrado. Na realidade, não fiz nenhum planejamento e não tenho vergonha de dizer que foi uma decisão impulsiva. Sempre fui fascinada por aprender todo e qualquer assunto. Após saber do meu diagnóstico e também das comorbidades, minhas tentativas de pesquisa se tornaram um ciclo de frustração que nunca acabava. Os artigos científicos que encontrava podem ser classificados em algumas áreas: revisões bibliográficas das primeiras teorias sobre o autismo (entrarei no mérito do motivo disso ser um problema); pesquisas no campo da educação infantil genéricas em termos de delimitação, metodologia e resultados; e pesquisas que descrevo como um amontoado de absurdos que só acertaram no título e nas referências bibliográficas.

Onde estão as pesquisas com adultos autistas? Onde estão as pesquisas interseccionais? Uma busca de horas resultava em resultados escassos, com temáticas e delimitações amplamente genéricas que não condiziam com a realidade da maioria dos neurodivergentes, principalmente os diagnosticados tardiamente. Quando encontrei uma comunidade de autistas que compartilhava experiências e percepções, percebi que essa era uma constatação comum na rotina dos diagnosticados tardiamente. Existe um alívio em receber o diagnóstico e, ao mesmo tempo, uma ruptura de identidade. A busca por respostas é um movimento natural. Afinal, existe uma explicação para sermos diferentes, mas, e agora? Quem sou eu? A vida inteira pensei que falhava em ser como as outras pessoas, mas era considerada como uma delas. Mas não sou. Na verdade, quem sou eu? Como o autismo influenciou minha vida até o diagnóstico? Afinal, o que é o autismo? O momento de alívio é também o início de incertezas, um processo doloroso que passa por muitas pesquisas tentando compreender essa forma diferente de ser. Foi nesse momento que percebi o quanto a academia é atrasada em termos de delimitação de temática, restrita a um contexto genérico e não vê as infinitas possibilidades de estudos que são necessários para que autistas encontrem informações básicas que os auxiliem nesse processo.

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Costumo dizer que ter um transtorno de humor como comorbidade às vezes é um benefício. Ao longo do período de pesquisa, uma inquietação tomou conta de mim. Em meio a uma crise, após uma noite mal dormida, decidi que iria fazer um mestrado. Não sabia qual, mas ia fazer e pesquisar sobre mulheres autistas. Uma decisão completamente impulsiva que valeu a pena. Naquele momento, a única coisa que pensava era que eu precisava fazer alguma coisa, fazer minha parte para que esse cenário mudasse. Sempre falo que não tenho a ambição de ser quem vai resolver o problema, mas quero ser a pessoa que contribuiu de alguma forma.

Entrei no cenário da pesquisa acadêmica totalmente despreparada. Sempre gostei de estudar e aprender, mas a dinâmica do ambiente e dos participantes é diferente do ambiente educacional que eu estava acostumada. Entrei nesse ambiente frustrada e revoltada, analisando o entorno a partir de uma concepção rígida do que deveria ser feito, sem considerar os diferentes aspectos que caracterizam o ambiente acadêmico e como é essa dinâmica em relação à sociedade. A escolha do mestrado em Ciências Sociais proporcionou o aprendizado das nuances que envolvem todo esse processo. Aprendi a ver o contexto além da frustração e entendi que uma mudança irá ocorrer quando existir um processo coordenado de pesquisadores escolhendo temas importantes para o cotidiano da comunidade autista.

Para mim, a palavra pesquisador sempre foi algo distante, algo reservado aos gênios da sociedade e, com certeza, não me considero um deles, então foi difícil usar essa nomenclatura para definir minha carreira. Mas, o espaço que ocupei e as possibilidades de pesquisa pedem que eu assuma esse papel. Logo que entrei no mestrado, tinha um tom incisivo que facilmente seria interpretado como agressivo, porque não conseguia separar os papéis. Me sentia um emaranhado de características que misturava a Priscila pesquisadora, a Priscila ativista e a Priscila autista. Não conseguir separar essas áreas dificultou minha convivência nesse espaço.

Minha socialização é péssima, porém sou uma observadora nata. Essa habilidade que antes era usada para o masking, agora uso para entender o ambiente e as estruturas de socialização. Percebi que, se eu quiser contribuir realmente, chegar a algum lugar com minha pesquisa, eu terei que mudar minha abordagem. Minha frustração geralmente impede que eu veja formas de navegar pelo ambiente e o que posso fazer nesse contexto para que futuramente outros pesquisadores percebam a lacuna gigantesca quanto a temas e delimitação temática de pesquisa. Ainda tenho dificuldade de separar essas três partes e, obviamente, elas ainda interagem, mas agora trabalham em conjunto para conseguir pesquisar e transformar esse material em algo positivo para a comunidade.

A Priscila autista foi quem percebeu as lacunas; a Priscila ativista foi quem, em um momento de frustração, realizou a inscrição no mestrado; e a Priscila pesquisadora surgiu daí, aprendendo com os erros e se adaptando à necessidade. E essa necessidade não tem a ver com masking, socialização, tem a ver com os caminhos que preciso tomar para contribuir com a comunidade sem ultrapassar meus limites, algo que ainda estou aprendendo. De toda essa experiência, aprendi que ter essa consciência da separação dos três papéis, de eles ainda interagirem buscando um equilíbrio, foi e ainda é essencial para minha pesquisa. A frustração que antes dominava minhas percepções impede o ato da pesquisa, impedindo o alcance de resultados maiores. Precisei aprender a conviver com esse sentimento sem que ele atrapalhe meu propósito: a contribuição para a comunidade. Algo em mim precisou dar um passo atrás, respirar profundamente e decidir que minha existência no espaço acadêmico vai além de mim e precisa ser estratégica.

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