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A taxa de pessoas autistas desempregadas ou subempregadas é alta por todo o mundo. No entanto, em nosso país, onde políticas educacionais não contemplam a formação para o trabalho de acordo com as características das pessoas autistas é ainda maior. Para ilustrar, vou falar apenas do índice para aqueles com nível superior de ensino, que gira em torno de 85%; enquanto na Austrália, é de 34%; e nos EUA, é de 60%. Imagine se tivéssemos dados precisos em relação a todos os níveis de suporte. Veríamos ainda mais claramente esse triste panorama de pessoas que não têm as ferramentas educacionais necessárias para terem muito mais oportunidades. Aqui vou limitar-me a falar das ferramentas educacionais, por ser minha área de atuação, mas sabemos que o processo é falho em muitas outras. Neste texto, quero levantar uma questão importante, que é oferecer nas escolas atividades pré-vocacionais e vocacionais com base no Ensino Estruturado. São essas atividades que darão apoio para o ensino de habilidades voltadas ao trabalho e o incremento da autonomia. Por que as escolas limitam-se a oferecerem apenas habilidades acadêmicas que, isoladas, não permitem que o sujeito chegue ao mercado de trabalho, ou possa manter-se nele caso tenha conseguido chegar lá?
Chamamos de Atividades Vocacionais aquelas organizadas para fornecerem aos indivíduos conhecimentos, habilidades acadêmicas e técnicas necessárias para que se preparem para o mercado de trabalho.
Atividades vocacionais podem ser usadas em qualquer idade a fim de desenvolverem várias habilidades que gerem autonomia. Segundo o psicólogo comportamental Mark Klinger, da Divisão TEACCH, na Carolina do Norte/EUA, o trabalho é o grande promotor da saúde. Pessoas autistas que não trabalham podem apresentar piora de todos seus sintomas, justamente pela ociosidade, pela falta de oportunidades para praticar o que aprenderam e pela impossibilidade de se sentirem úteis. Vejamos ainda esta frase de impacto dele, que nos leva à reflexão sobre nosso papel, seja como pais ou professores: “O maior preditor de empregabilidade é a AUTONOMIA.”
A atenção às habilidades vocacionais que deixamos de propor pode afetar seriamente a capacidade das pessoas autistas na entrada para o mercado de trabalho e consequentemente sua oportunidade de viver produtivamente. O que eu não faço hoje para propor o desenvolvimento do meu aluno autista vai reverberar no amanhã possíveis déficits. A introdução de habilidades que possam ser direcionadas ao local de trabalho impacta positivamente as pessoas autistas, relativamente à cognição, à capacidade de produção e à qualidade de vida.
Importante não confundirem habilidades vocacionais com trabalhos manuais, pois elas vão além, embora possamos propor algumas atividades que se utilizem desse recurso. Já as habilidades acadêmicas são realmente necessárias para o desenvolvimento de tarefas mais complexas e que tenham relação direta com a maior parte dos empregos ofertados. Então, podemos colaborar para que autistas possam dominar conceitos acadêmicos que os ajudem a entrar no mercado de trabalho e na manutenção do emprego, lembrando que devemos ensinar individualmente e respeitar o nível cognitivo de cada um. Por exemplo, conhecimentos básicos em cálculos, comunicar-se verbalmente ou através de comunicação alternativa, escrever, etc. É possível ensinar atividades vocacionais acadêmicas e atividades vocacionais para vida prática, concomitantemente, uma não exclui a outra; e se conjuntas, enriquecem as propostas para o aluno.
A independência é uma habilidade muito significativa e deve ser desenvolvida para dar funcionalidade à vida. Ela abre portas para aqueles que a possuem, em detrimento dos que não a tem. O Programa TEACCH®, de onde se origina o Ensino Estruturado, prepara pessoas autistas para trabalharem de forma independente. Quando o estudante é capacitado para trabalhar de maneira independente, aceitar ordens, seguir sequências e instruções predeterminadas, as oportunidades de obter sucesso em atividades laborais agigantam-se. Outra coisa importante é ensinar generalização, pois será preciso saber generalizar suas habilidades para diferentes materiais vocacionais. O trabalho independente é quem oportuniza praticar essas habilidades.
Sigamos com a prática: muitas habilidades podem ser incorporadas em atividades vocacionais. Vou citar alguns exemplos simples para rápido entendimento, mas as possibilidades são amplas, como: preparar o aluno para cozinhar, trabalhar em uma lanchonete ou restaurante, fazer planilhas para trabalhar em escritório, aprender jardinagem para trabalhos em domicílios, usar tecnologias para trabalhar em empresas, entre tantas outras. O importante aqui é que as atividades sejam do interesse da própria pessoa autista. Mantendo o raciocínio, é possível desenvolver atividades vocacionais, usando materiais de culinária, de construção, de beleza, de supermercado, de escritório. Enfim, o que seja interessante e tenha relação com o trabalho almejado, deixando claro que desenvolveremos os estágios de aprendizagem em progressão, dos mais concretos aos abstratos, conforme as demandas do aluno.
Devemos estruturar atividades vocacionais que aproveitem as competências das pessoas com TEA. Algumas pessoas autistas gostam de atividades ligadas as suas capacidades de concentração, outros gostam de ações repetitivas, outros gostam do reconhecimento de padrões, e uma parte deles prefere as que exijam detalhamentos. É nosso trabalho ajudar para que essas competências aflorem-se, aprofundando a prática a fim de que diferenciais sejam estabelecidos para nossos alunos.
Dica de ouro: estudantes autistas precisam praticar atividades relacionadas ao autocuidado, uns mais, outros menos. Contudo, é primordial fazê-los cientes de que ser uma pessoa asseada é uma característica importante para quem quer arrumar e manter um emprego, além de facilitar as relações sociais.
Para encerrar, quero dizer que devemos estruturar para eles atividades que os ajudem a reconhecerem, seja no meio social, seja no familiar, prováveis ocupações que possam desempenhar. Atividades que colaborem para o planejamento futuro e desenvolvimento das habilidades profissionais, que permitam a ele tornar-se alguém apto, atuante e produtivo.
Cláudia Moraes
Vice-presidenta da ONDA-Autismo; Voluntária do Instituto AutismoS; Especialista na Educação na Perspectiva do Ensino Estruturado; Mestra em Educação com especialização em formação de professores; Professora Honorária do The Nora Cavaco Institute- International Center of Neuropsychology & Autism.