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Por Profª Claudia Moraes
Vice-presidenta da ONDA-Autismo; Professora; Pedagoga, Especialista na Educação na Perspectiva do Ensino Estruturado; Mestranda em Educação com Especialização para Formação de Professores.
Para falar sobre espiritualidade, primeiro é preciso deixar claros alguns conceitos, para muitos é difícil diferenciá-la da religiosidade, presumindo que sejam comuns. Não se pode negar que exista uma relação entre elas, mas na realidade são fenômenos distintos.
Então vejamos: a espiritualidade é uma necessidade natural do homem de manter-se ligado a divindade, a um plano extrafísico; já a religiosidade pode ser descrita como uma qualidade da pessoa que é religiosa, a pessoa expressa sua experiência única e pessoal ligada a uma religião (conjunto de crenças e filosofias seguidas por fiéis que se identificam com seus ensinamentos, doutrinas e costumes).
O homem experimenta a espiritualidade como algo inerente ao seu ser, enquanto a religiosidade não é inerente.
Como podemos relacionar esses conceitos à pessoa autista e/ou sua família? Bem, segundo afirma Frankl (1978), o físico é dado pela hereditariedade – o psíquico é dirigido pela educação; o espiritual contudo, não pode ser educado, tem que ser realizado – na “realidade da realização” da existência. Interessante também relacionar com o pensamento de Giovanetti (2005): “o espírito é capaz de descobrir um sentido para sua existência…”
Muitas vezes a pessoa com autismo que recebeu seu diagnóstico jovem/adulta, ou a família que recebeu o diagnóstico para sua criança, podem se sentir desesperançados, abandonados por Deus ou o ser superior em que creem… aquele famoso “por que comigo?” Para aqueles que estão abertos ,a espiritualidade é uma maneira de encontrar-se com um Deus acolhedor, que não castiga e sim consola, e perceber que a vivência de uma deficiência ou o trato dela podem propiciar maior humildade, coragem e forças para o enfrentamento. A desesperança então se torna algo passageiro, e dá lugar a sentimentos mais nobres do ser humano. A desesperança, quando encontra alguém que está em desarmonia com a ligação espiritual, configura-se então em um terreno fértil às doenças que podem desequilibrar seu físico e espírito.
Uma coisa que devemos nos atentar nesse contexto é que algumas pessoas podem se mostrar religiosas, mas se a espiritualidade não caminhar junta com a religiosidade. Com isso, podem acontecer muitos equívocos: um deles é o fanatismo (a fé não raciocinada) e pode trazer mais sofrimento ao invés da liberdade proporcionada pela espiritualidade.
Nesse momento, se a pessoa com autismo ou sua família ainda não fazem parte de uma religião, podem sentir a necessidade de buscar por isso para expressar melhor sua espiritualidade ou para encontrar pessoas que pensem de maneira semelhante, compartilhar sua fé e seu testemunho.
A espiritualidade, embora se demonstre como característica natural do homem, também precisa ser alimentada. A religião para alguns pode ser uma maneira de “saciar” essa fome. Para outros, não necessariamente é a religião, mas sentimentos e atitudes que lhes permitam fazer a ligação com o Divino.
Uma coisa é certa. Quando falamos de espiritualidade/religiosidade em um meio com tantos acadêmicos e profissionais quanto o do autismo, é muito difícil que autistas e suas famílias sejam aceitos, integrados e possam compartilhar de suas crenças com médicos, terapeutas, educadores sem que hajam julgamentos e preconceitos, e muitas vezes palpites desnecessários. Respeitar os autistas, as famílias e suas escolhas religiosas, desde que não firam a integridade de seus membros, deveria ser um comportamento a ser seguido por todos aqueles que trabalham com o TEA.
É importante que o meio social (familiares, profissionais, igrejas, etc.) percebam a importância de ser uma rede apoio aos autistas e suas famílias, pois a espiritualidade alimentada, a crença em Deus/ser superior pode ser mostrar como fonte de esperança, de superação, de aceitação, de resiliência para conviver com características e encadeamentos de ações diárias apresentadas pelo TEA, trazendo-lhes assim força para encarar possíveis percalços, e promover bem estar.
Frankl (2003) concebe o homem como um ser bio-psico-espiritual, e coloca que a espiritualidade é uma das suas dimensões, além da religiosa ou do supra-natural ( o que é superior as forças da natureza). Já Nilton Salvador, autor de Vida de Autista, dizia que as funções bio-psico-sociais-culturais e espirituais do autismo se desenvolvem proporcionando o entendimento de o autismo é uma linda experiência de aprendizagem.
Isso me leva a concluir que a espiritualidade alimentada pode ser fator de extrema contribuição ao desenvolvimento do indivíduo com TEA, reafirmando seu lugar no mundo e colaborando para o progresso dele.