27 de março de 2023

Tempo de Leitura: 4 minutos

Escrevo hoje sobre o caso da criança Bernardo Boldrini, que à época tinha 11 anos, e que foi encontrado morto em abril de 2014, em Três Passos, no Noroeste do Rio Grande do Sul. O pai, a madrasta e uma amiga foram denunciados por homicídio quadruplamente qualificado, ou seja, por motivo torpe, motivo fútil, e emprego de veneno e dissimulação, além de responderem pelos crimes de ocultação de cadáver e falsidade ideológica.

O último a ser jugado foi o pai da criança, Leandro Boldrini, acusado de ser o mentor intelectual do crime. O julgamento foi encerrado em 23.mar.2023 e que levou a condenação de 31 anos e 8 meses de reclusão.

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Esse caso ganhou repercussão nacional, com ampla divulgação nas mídias de massa. Ocorre que, no final de sua fala, o advogado Ezequiel Vetoretti, defensor de Leandro, citou um laudo psiquiátrico que o MP apresentou, apontando que Leandro Boldrini apresentaria traços de psicopatia. E disse que, para ele, o comportamento do réu sugere características de transtorno do espectro do autismo (TEA).

“Não estou fazendo um diagnóstico. Tenho que trazer para vocês esta possibilidade. Isso explica muito do comportamento do Leandro”.

Nas palavras da defesa, o advogado sustentou que ele poderia estar dentro do espectro do autismo e, por isso, teria dificuldade de perceber as demandas do filho Bernardo, como tristeza, alegria, raiva, etc. O julgamento foi gravado e está disponível gratuitamente no Youtube do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,. Confira o exato momento da fala:

 

Após analisar o vídeo da fala do advogado, ficou evidente que tal fala representa uma conteúdo capacitista e fazendo confusão entre transtorno de personalidade com transtorno global do neurodesenvolvimento.

A condução de sua defesa tinha o objetivo de demonstrar que se o laudo mostrava traços de psicopatia, mas que esse laudo não podia ser utilizado para inocentar o réu, então que júri entendesse que as suas condutas deveriam ser olhadas de outra forma e passou a tratar o seu cliente como autista, na finalidade de demonstrar que os comportamentos antissociais de Leandro e que ele não tinha sido mentor intelectual do crime, pois sequer poderia notar as situações ao seu redor, por conta do hiperfoco do seu cliente e que tinha inteligência superior aos demais, até mesmo trazendo exemplos de situações da infância do seu cliente.

E foi justamente aí que se deu a confusão dos conceitos e que causou revolta na comunidade autista.

Pois bem, no Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS) há um conflito sobre os dois transtornos antissociais e que mantém relação com ações criminais: a sociopatia e a psicopatia. O padrão da TPA representa uma tendencia de comportamento para violação dos direitos, caracterizada pela incessante irresponsabilidade, falsidade e descumprimento das normas sociais.

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), da American Psychiatric Association (APA, 2014), a psicopatia, sociopatia e transtorno de personalidade dissocial são nomes alternativos para esse comportamento. Esses indivíduos mostram falta de empatia e possuem uma atitude cínica, um charme superficial e um senso inabalável de superioridade sobre os outros (VENABLES; HALL; PATRICK, 2014).

Já para o Código Internacional de Doenças (CID) a nomenclatura é Transtorno de Personalidade Dissocial (CID-10. F60.2) e que:

Atribuiu-se características tais como o desprezo pelas obrigações sociais e ausência de empatia com o próximo, comportamento que não se modifica frente a punições impostas, e ainda, baixa tolerância a frustrações, bem como a tendência em imputar culpa a terceiros em prol de justificar seu comportamento (GOMES DA SILVA; FARIA, 2022, p. 9).

O Transtorno de Personalidade Antissocial atinge em torno de 1% a 2% da população mundial, o que no Brasil representariam em torno de de 2 a 4 milhões de pessoas. Já os dados mais atualizados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) de 2023, que equivaleria ao Ministério da Saúde no Brasil, atualizou seu relatório bienal de prevalência de autismo entre as crianças do país, estimando que 1 em cada 36 crianças nos EUA está no espectro do autismo (AUTISM SPEAKS, 2023). Trazendo para a realidade nacional, esta prevalência representaria uma população de 7 a 8 milhões de pessoa antes dos 18 anos.

Pelas características que cada uma das condições apresenta, verifica-se que a justificativa para os comportamentos antissociais de Leandro, nas palavras da defesa, eram suplantados pelos seus supostos traços de TEA. Logo, o comportamento das pessoas dentro do espectro não modifica em absolutamente nada a sua personalidade, ou seja uma personalidade antissocial não caracteriza o autista, nem mesmo sua condição justifica ações criminosas!

 

Referências

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Advogado, educador, professor e ativista. Mestrando em Direito, LLM em direito corporativo, pós graduação em direito do consumidor, civil e processo. Fundador da LigaTEA – Advogados que Defendem Autistas. Licenciatura em letras-português, consultor educacional, pós graduação em docência e metodologia da pesquisa científica, pós graduação em informática educativa, pós graduação em neuroeducação e pós-graduando em análise comportamental aplicada ao autismo. Pai do Benjamin (autista 9 anos).

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