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Nestes tempos bicudos qualquer coisa vale para criar uma rotina satisfatória para meu filho autista. As lições que a escola envia são de grande valia. E vamos nós à caça de fotografias antigas, figuras de revistas, etc e tal.
Não gosto de velhas fotos, por isso a quarentena está sendo uma época duplamente difícil. Tenho pensado muito sobre o motivo desse meu descontentamento. Em princípio acho que o que passou é passado, o que era importante a gente guarda na lembrança. A certeza do nunca mais me incomoda. Fotos retratam tempos e personagens que não mais existem, circunstâncias, boas ou más, que não mais se repetirão. Não vejo motivo para remexer no que já acabou.
Em relação à minha história com o autismo, a coisa é ainda mais complicada, porque implica em um sentimento de falha, de erro. Remete a uma época de solidão e perplexidade, de completa ignorância do que estava acontecendo. Um tempo em que as decisões eram cruciais ao mesmo tempo em que eu não tinha qualquer conhecimento para tomá-las. Vejo fotos e sinto, outra vez, o medo e insegurança, as ações e — quase sempre — as consequências funestas. E me pergunto: como pude fazer isso? Como pude dar crédito a tal profissional? Como pude submeter meu filho a tal sofrimento? Posso garantir que a culpa é enorme e muito sofrida.
Meu marido, muito mais lógico do que eu nesse ponto, afirma que fizemos o melhor, dadas as circunstâncias. Sim, claro, há 29 anos, o autismo era um grande desconhecido. Mas, mesmo assim, não consigo parar de me repreender, muito provavelmente porque, mesmo então, eu sentia que as coisas não tinham que ser daquele modo. Que eu, a mãe, sentia meu filho e aquela não era a abordagem correta. No entanto, segui orientações, contra meu discernimento, que levaram a muito sofrimento e nenhum resultado positivo.
O tempo, mestre sábio quando aprendemos a ouvi-lo, ensinou-me a rebeldia frente à autoridade. Sou uma velhota rebelde, não aceito nada sem antes passar pelo crivo dos meus sentimentos e conhecimentos. Posso ser muito permissiva, por que não? Sou porque posso. No presente estou mais em paz comigo e com meu filho. Mas o passado… Ah, o passado! Esse não muda, não há o que fazer. De modo que essa “culpazinha” fria, fininha, continua lá, firme e forte. Voltando às fotos, para que recordar tempos difíceis, em que me reconheço culpada por omissão ou comissão? Aprendi o que precisava desses tempos duros, e está bom assim. Nada de fotos, hehehe.