1 de junho de 2024

Tempo de Leitura: 4 minutos

De uma maneira bem simples e resumida, vamos definir a comunicação aumentativa e alternativa (CAA) como todas as formas de comunicação (exceto a fala) que são usadas para expressar pensamentos, necessidades, desejos e ideias. A comunicação aumentativa dá suporte ou ajuda à fala (por exemplo: quando a fala é limitada ou ininteligível) e a alternativa substitui a fala (como quando a fala não está presente).

CAA inclui sistemas simples — tais como: imagens, fotos, figuras, gestos (como apontar), entre muitos outros — e dispositivos mais complexos que envolvem alta tecnologia, também chamados de vocalizadores.

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ExpoTEA

Cerca de 25% a 35% das crianças com transtorno do espectro do autismo (TEA) não falam (1). Outros 25% a 30% das crianças com autismo falam algumas palavras aos 12 a 18 meses de idade e depois as perdem (2). Algumas crianças apresentam fala limitada (comparada a colegas da mesma idade), outras falam, mas não se comunicam (apenas repetem, usam ecolalia), algumas não usam a comunicação de forma espontânea (apenas respondem perguntas) e/ou usam uma fala ininteligível (apenas pessoas que convivem próximas a elas conseguem entender o que estão falando). Se o seu filho apresenta as dificuldades de comunicação citadas, ele irá se beneficiar da CAA.

O uso da CAA deve ser introduzido o mais rápido possível, para que ele possa comunicar suas necessidades, desejos e emoções de maneira clara e objetiva. “Assim como um piano sozinho não faz um pianista, nem uma cesta de basquete faz um atleta, um dispositivo CAA sozinho não faz um comunicador competente e proficiente” diz David Beukelman (3). Se você apenas comprar um aparelho de alta tecnologia e colocar na frente do seu filho ou aluno, não vai adiantar. Temos que ensiná-lo.

As pesquisas apontam que “em contraste com essas abordagens mais recentes e de alta tecnologia, abordagens de baixa tecnologia, como o protocolo PECS (sigla para Picture Exchange Communication System — em português: sistema de comunicação por troca de figuras), têm sido usadas extensivamente para estabelecer uma gama de comportamentos sociais e comunicativos considerados críticos para uma comunicação eficaz, funcional e robusta para indivíduos com autismo e outros transtornos de desenvolvimento relacionados” e “a literatura atual sobre CAA de alta tecnologia se beneficiaria da incorporação de componentes de abordagens de baixa tecnologia (ou seja, PECS), em vez de substituí-los completamente” (4).

Levando as pesquisas em consideração, sugiro que você ensine um protocolo baseado em evidências científicas: PECS para ensinar comunicação funcional.  O protocolo do PECS enfatiza a ideia de que a comunicação é um processo interativo. Pelo menos duas pessoas são necessárias – um “falante” que transmite uma mensagem e um “ouvinte” ou parceiro comunicativo (PC) que recebe e responde à mensagem fornecendo um resultado social ou tangível. O falante deve entregar uma figura ou uma sequência de figuras à outra pessoa (PC), garantindo assim a abordagem social e a interação. Cada uma das 6 fases do protocolo ensina um aspecto diferente da comunicação. Começando usando figuras únicas para comunicar suas necessidades, depois reconhecendo e escolhendo entre uma variedade de figuras para construir frases cada vez mais complexas. Comentar, responder e fazer perguntas simples também são ensinados para expandir e construir a comunicação. 

A transição

Quando o seu filho/aluno demonstrar a iniciação/ espontaneidade, for até a outra pessoa (PC) para poder comunicar estando ela próxima ou distante, souber o que as figuras representam (discriminação de figuras) e formar frases simples (ex: Eu quero ___): ele será um excelente candidato à transição para uma alta tecnologia (dispositivo gerador de fala). Ou seja, ele deve ter dominado as fases 1, 2, 3 e 4 do protocolo do PECS, utilizar um vocabulário grande e categorizado e também possuir uma estrutura frasal. 

“O protocolo PECS demonstrou ter aplicação universal para a introdução e uso de alta tecnologia. Esse benefício pode ser aprimorado quando são escolhidos dispositivos que correspondam às habilidades de comunicação atuais do aluno no PECS e que permitam o crescimento contínuo da comunicação.”, segundo Frost e McGowan (5)

O profissional responsável deve fazer uma avaliação cuidadosa e, quando possível, uma testagem com os possíveis dispositivos de alta tecnologia para selecionar um deles que permita manter todas as habilidades que o seu filho ou aluno já apresenta: como o acesso independente, a iniciação, as interações sociais, a estrutura e o comprimento das frases em diferentes ambientes. Além de permitir espaço para crescimento da linguagem e aprendizado de mais habilidades. 

Em alguns casos, a transição para a alta tecnologia não é necessária. Estes casos acontecem principalmente com crianças pequenas com autismo quando a fala emerge e eles fazem a transição para a nova modalidade da comunicação: a fala.

Independente da fala emergir ou não no caso do seu filho ou aluno: ENSINE comunicação funcional para ele e você estará proporcionando a ele uma melhor qualidade de vida e certamente dando-lhe maior independência.

Referências

1 – Brignell, A., Chenausky, K. V., Song, H., Zhu, J., Suo, C. and Morgan, A. T.. (2018). Communication interventions for autism spectrum disorder in minimally verbal children. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2018(11), p. CD012324. Disponível em: https://doi.org/10.1002/14651858.CD012324.pub2

2 – Johnson, C.P. Early Clinical Characteristics of Children with Autism.  In: Gupta, V.B. ed: Autistic Spectrum Disorders in Children.  New York: Marcel Dekker, Inc., 2004:85-123. doi:10.1201/9780203026229.ch5. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/307943767_Early_Clinical_Characteristics_of_Children_with_Autism

3 – Beukelman, D. (1991). Magic and cost of communicative competence. Augmentative and Alternative Communication, 7, 2‒10. doi: 10.1080/07434619112331275633. Disponível em: https://psycnet.apa.org/record/1991-28605-001

4 – Gilroy, McCleery & Leader, (2017). Systematic review of methods for teaching social and communicative behavior with high-tech augmentative and alternative communication modalities. Review Journal of Autism and Developmental Disorders 4 (4), 307-320. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s40489-017-0115-3

5 – Frost, L. and McGowan, J.  (2011)  Strategies for Transitioning From PECS to SGD. Part I: Overview and Device Selection. Perspectives on Augmentative and Alternative Communication. doi: 10.1044/aac20.4.11. Disponível em:  https://pubs.asha.org/doi/10.1044/aac20.4.114

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Fonoaudióloga, mestre em estudos linguísticos pela Universidade de Londres, tem curso avançado de autismo credenciado pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Diretora geral da Pyramid Consultoria Educacional do Brasil, tem uma sólida experiência de trabalho com crianças e adultos com ampla gama de dificuldades de comunicação por razões variadas: físicas, mentais, sociais e emocionais. O primeiro curso PECS que frequentou foi em 2002 e desde então PECS tornou-se parte de sua prática diária.

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