4 de junho de 2021

Tempo de Leitura: 3 minutos

Desde criança, a injustiça acabava comigo. Lembro de um médico que me disse, quando eu estava com 22 anos, que eu era extremamente compassiva e que era muito rígida quando o assunto era a justiça. Nunca me esqueci do sorriso que se seguiu à fala dele para mim: “Você quer ter a justiça divina, infalível. Vai sofrer muito pois já entra perdendo nessa concorrência.” Pensei nisso por anos, pois não entendi o sentido disso. Eu queria era saber lidar com esse sentimento.

Isso porque, sempre me irritava diante de uma grosseria de um garçom, uma resposta ríspida de alguém, à falta de atenção ao outro. Hoje penso que era porque me sentia muito mal sempre, pois parecia que o mundo estava contra mim. Transformei essa energia da raiva em briga, discursos e questionamentos a tudo e todos. Quando essa irritação parecia me sufocar, não adiantava nada. Qualquer pergunta ou tentativa de me entender só piorava minha ira, pois tentava me explicar e as palavras me fugiam ou então, eu não conseguia me fazer entender o que me levava a mais e mais raiva.

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Assim, durante boa parte de minha vida, eu fui brigona, barraqueira até.  Desestruturava e não media as consequências de nada.  Ia fundo, de cabeça. Já enfrentei homem armado. Já persegui ladrão favela a dentro, atrás de minha bolsa furtada. Não hesitei em dizer à minha sogra que ela devia ter fechado as pernas, quando ela reclamou da falta de pílula no seu tempo. Não me orgulho disso, ao contrário.

Briguei no posto de gasolina, com motorista de táxi, no hospital, na rua, em família, no trabalho – sai de ambulância, tamanha foi a crise.  Enfrentei meu pai policial, vizinho barulhento, professor que se considerava o dono da razão, namorado safado, padre sem noção, pastor reacionário, espírito incorporado, chefe assediador. Parecia que diante da injustiça só a energia causada pela ira me confortava e me levava às vias de fato.  Quando finalmente, me acalmava sofria de ressaca moral. Com o tempo, uma exaustão tão grande me tomou mais e mais.  Meus músculos criaram memória de retesamento, eu nunca relaxava, a adrenalina era constante.  Vivia em alerta, o que me causou uma estafa gigante no corpo e na alma.  Estava cansada de viver.  Amava ir para o bloco cirúrgico para apagar o mundo.

Na curva de meus quarenta anos, percebi que não podia mais viver assim. Aprofundei meus estudos e prática budistas, passei a estudar a cultura de paz para a construção de um mundo justo, digno e inclusivo.

Li Esquivel, Daisaku Ikeda, a história de Tina Turner, de Courtney Love. Introjetei o entendimento da Paz, Cultura e Educação como necessidades humanas.  Estudei e estudo Comunicação não Violenta, Educação Humanística,  Programação Neurolinguística.

Hoje sei que todos nós podemos errar e só não admito erros por negligência, crueldade ou má fé.  Mas percebi que não há acerto sem o erro, que hoje prefiro chamar de processo, para chegarmos à nossa meta.  Aboli o vitimismo e a autopiedade que sempre me fizeram retroceder ou me paralisavam.

Construo dia a dia a minha Revolução Humana e procuro avançar pelo menos um milímetro, todos os dias.  A evolução é inerente ao ser humano. A Revolução não, tem a ver com nossa transformação, nosso crescimento. Por isso, aprendi que não avançar é o mesmo que retroceder, mas que é melhor que todos avancemos um passo, que eu avance sozinha muitos passos.

Procuro observar e não julgar, diariamente, pois sei que não há como conhecer todas as perspectivas e vieses para bater o martelo de juiz. Aliás. Reconheço minha humanidade e procuro enxergar a humanidade do outro, ciente de que todos nós possuímos potencial latente, único e intransferível.

Escolhi enxergar o mundo pela via do afeto pois para cada cara quebrada que tenho, conquisto cinco vezes mais, em descobertas sobre a riqueza humana. Normalmente tenho medo de me expressar pois sinto que sou traída pelas palavras que nem sempre espelham meu coração/mente.

Decidi optar pelo caminho do meio, como estratégia de vida, depois que descobri que esse caminho não é o ponto mediano entre dois extremos. O caminho do meio só pode ser traçado e conquistado quando conhecemos o melhor dos dois extremos. Acredite, sempre existe algo maior por trás de atitudes extremistas.

Hoje, ainda tenho minhas crises mas, via de regra, saio delas com algum aprendizado que faço questão de exercitar para meu crescimento pessoal e do ambiente que me cerca.

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Jornalista e relações públicas, diagnosticada com autismo, autora dos livros "Minha Vida de Trás pra Frente", "Dez Anos Depois", "Camaleônicos" e "Autismo no Feminino", mantém o site "O Mundo Autista" no Portal UAI e o canal do YouTube "Mundo Autista".

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