11 de maio de 2023

Tempo de Leitura: 3 minutos

Em nossa roda de conversa de familiares de autistas adolescentes do TEAMM – UNIFESP, uma das participantes, Maria Auxiliadora, nos presenteou com uma atividade chamada “Árvore da Vida”. Todos deveríamos desenhar árvores e escolher uma parte da mesma para escrevermos um sentimento. Fizemos uma fila para ouvir quem quisesse compartilhar seu desenho e suas emoções. Tivemos 16 mães e um pai que nos ofereceram suas dores e seus amores. Foi um encontro emocionante e rico em aprendizados. Mas sabe quem não faltou? A danada da dona Culpa.

Lá estava ela, envolta em lágrimas e no meio dos discursos de “não fiz o suficiente”, “não fui uma boa mãe”, “não”, “não” e “não”. Como nosso grupo é construído pelos temas de interesse geral, a Dona Culpa foi chamada para uma noite de gala.

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Durante a semana, passei horas estudando e revisitando os conceitos que trazem a culpa tão atrelada ao papel de mãe. Quatro excelentes artigos acadêmicos me levaram a passear pelos primórdios da construção do lugar da mãe na sociedade, ao lugar de mãe atípica e ao lugar da mãe contemporânea. Depois, um quadro com as frases mais impactantes que encontrei sobre o autoritarismo de um modelo perfeito de mãe.

Sabe o que mais me encantou? Em dois deles, fazem um paralelo com a fantasia das mulheres em encontrarem seus “príncipes encantados”. A mãe perfeita não existe. Nem o príncipe. Mais especificamente sobre as mães atípicas, o constructo de “mãe guerreira” apenas fortalece uma visão utópica da maternidade como um evento e não como uma função de uma pessoa. Pessoa que se cansa, que se entristece, se frustra, que quer ser amada, quer ser amparada e cuidada. Uma mulher que, muitas vezes, precisa abrir mão de seus projetos pessoais e profissionais. E, se ela não abrir mão, será condenada ao fogo eterno.

Trago hoje de presente uma verdade verdadeira: a culpa não existe. Ela foi construída. Ela foi pré-concebida (por homens, imagino eu) para que a mulher desse conta de seu rebento, sem incomodar ninguém, afinal, o alimento está com ela, não é mesmo?

Ao parir um filho, essa mulher se despede de seu lugar de filha e não tem tempo de se despedir dele. Precisa virar mãe e, como num passe de mágica, cuidar muito bem de seu bebê. Ela não pode se cuidar, dá culpa. É nessa luta contra o cuidar-se e o cuidar do bebê que muitas mulheres adoecem. Encontram a depressão. Ah, a depressão, prima irmã da culpa. Acho até que é filha. A culpa impulsiona para a desobrigação do autocuidado, do medo, da insegurança e, bummmm, uma hora explode.

As mães atípicas, apontam as pesquisas, adoecem muito mais. Sua rede empobrece, pois, as pessoas de fato se afastam, as escolas lhes fecham as portas e os profissionais lhes dizem que não estão fazendo o suficiente. Sofrem quando os filhos são isolados, quando sofrem bullying e quando não são convidados para ir à casa do amiguinho. Sobre festas não vou nem citar. Mãe de autista tem que tirar o filho da escola porque ele sofre bullying, enquanto que os alunos típicos que o praticam, lá ficam, sem culpa.

Agora lutam pelo direito ao uso dos planos de saúde. Cada hora é uma luta. Incansáveis. Mas elas se cansam, e como. E precisam do descanso. Precisam dividir as responsabilidades de um filho que não é só dela. Precisam de escuta, pois são dotadas de vozes muito potentes. Mas são mães… mãe não conta. Se frequentam as escolas, são invasivas. Se não frequentam, são negligentes. Se cuidam dos filhos, são superprotetoras. Afinal, o que é o certo e o que é o errado?

O certo, ninguém sabe. O errado é o que lhe faz doente. Aproveite o seu dia. Faça o que lhe dá prazer e cuide-se, pois logo vem a segunda-feira. Feliz dia das mães.

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

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