1 de março de 2021

Tempo de Leitura: 2 minutos

Começo esse texto ressignificando o termo “gestar”. Todos nós gestamos sejam sonhos,  pessoas, projetos. Aqui, gestar é sobre escolher acolher uma vida (parindo ou não).

Gestar uma vida durante meses dentro de nós (seja no coração ou no útero) faz com que algo novo, humano, simples e confuso aconteça em nossas cabeças e no nosso coração quando olhamos pela primeira vez para aqueles olhos que acabaram de nos encontrar em seu mundo. 

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Eu não estou romantizando, eu estou dizendo que acontece algo, algo muda a nossa realidade.

Mas e quanto a nós, pessoas autistas/neurodiversas que têm filhos(as)? 

Quando o  Luiz  nasceu  e eu o pude pegar pela primeira vez no colo,  imediatamente quis colocá-lo no berço. Não queria chorar. Eu queria pular, girar, “autistar, tamanha a emoção e felicidade. Na época, eu não sabia ainda que era autista e sempre encarei esses “impulsos” como minha “maluquice” (no sentido capacitista da palavra). Assim que peguei o Luiz, fiquei com ele pouco tempo no colo e o coloquei no berço da maternidade, e fui andar pelo quarto. Todos no quarto me olharam com um “olhar acusador”. Um ar de: “você não esperou isso durante a gestação toda?”  e foi nesse dia que conheci a “culpa de ser uma mãe neurodiversa”. 

Há um estereótipo da maternagem nas expressões:“o cuidador cuida mas nunca é cuidado”, “não reclama”, “não enfraquece”. E quando quem exerce a parentalidade é neurodivergente? Esses processos nos deixam um ar de: “será que tenho sido suficiente?”.

Veja bem, quando na semana tudo que nos sobra é uma crise de disfunção executiva e a vontade de não levantar da cama, como ficam nossos filhos? 

Quando o choro é alto e nos falta o controle de entender que aquilo é um processo do aprendizado, gerando crise  de transtorno do processamento sensorial em nós: neurodiversos?

A idealização do cuidar perfeito é inalcançável, e atinge todas as mulheres de maneira muito mais intensa. Entretanto, nós, pessoas neurodiversas, sabemos que nosso cuidar é diferente. Nossa maneira de lidar com as crises, birras e afetos do dia a dia é diferente, não incomum, mas diferente. Não há erro em às vezes se irritar com choro, em precisar de  uma hora de silêncio para o corpo voltar ao normal e se regular, em não passar horas amamentando sem ter uma desregulação sensorial após a amamentação.  Não está errada a maneira incomum de demonstrar afeto, caso ele não seja através do abraço e do toque, caso ele seja por meio de ações. 

Não deveríamos nos sentir culpadas por não corresponder à expectativa capacitista da sociedade de que “nunca seremos como outras mães”. Que possamos romper com a ideia do  “cuidar” perfeito na sociedade, para nós, neurodiversos; que possamos autistar em paz, sorrir sem culpa e ficar em silêncio sem nos sentirmos insuficientes.

Afinal, qual criar é ideal? 

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É autista, mãe do Luiz (autista) e da Elisa, professora da Rede Estadual de São Paulo. Ativista pela neurodiversidade e membro da ABRAÇA. Atua nas redes falando sobre a relação entre a luta antirracista e anticapacitista.

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