23 de janeiro de 2021

Tempo de Leitura: 4 minutos

Por Profª Claudia Moraes

Vice-presidenta da ONDA-Autismo; Professora; Pedagoga, Especialista na Educação na Perspectiva do Ensino Estruturado;  Mestranda em Educação com Especialização para Formação de Professores

Respeitar as individualidades é premissa para quem trabalha com a diversidade, e com o ensino de habilidades para a vida não pode ser diferente. Ensinamos com menos ou mais apoios, de acordo com as necessidades, e também respeitamos as variações no ritmo do aluno para que haja a consolidação da aprendizagem. (MORAES, 2020, p.172).

Volto ao tema de educação para autistas adultos, para que haja o reconhecimento de que nós, profissionais da educação, não estamos fazendo nossa parte de maneira efetiva, e de que precisamos mergulhar no tema, refletindo bastante para, dessa maneira, agirmos.

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Em contrapartida, podem pensar “Mas não temos quase pesquisa na área”; porém, responderei como a propaganda do biscoito: “é fresquinho porque vende mais, ou vende mais porque é fresquinho?” Em outras palavras: Não tem? Produzam!

Posto isso, já sabemos que há diversidade no TEA, e não há duas pessoas autistas que sejam iguais (assim como não há nenhum outro ser humano), mas preciso chover nesse molhado para mostrar a vocês a importância de levarmos em conta os estilos de aprendizagens diversas das pessoas autistas. Pois, não pensem que, ao educarem com os mesmos recursos, vocês chegarão a resultados satisfatórios.

Cabe salientar que a realidade na idade adulta é que as pessoas autistas estão fora do mercado de trabalho de uma maneira geral. Conforme os dados, reportagens de 2020 nos mostram que em torno de 80% (Oitenta por cento) das pessoas autistas estão fora do mercado de trabalho.

No Brasil, não há números específicos sobre o desemprego de pessoas autistas, mas se estima que sejam maiores do que o apontado acima. Em contrapartida, os que chegam ao mercado de trabalho entram em ambientes não inclusivos e muito competitivos que não lhes propiciam apresentar suas reais habilidades, e muitos acabam com sobrecargas sensoriais.

Nesse sentido, o que corrobora algumas dificuldades vivenciadas no trabalho é o fato de que as instituições educacionais, além de terem seu foco essencialmente nas questões infantis, ignoram as questões de aprendizagens de jovens e adultos autistas e suas vidas pós-escola.

Dessa forma, para trabalharmos com autistas adultos, devemos pensar primeiro no desenvolvimento de um programa educacional que os contemple, respeitando os estilos de aprendizagens, prontidão para aprendizagens e centros de interesses, pois:

O comportamento adaptativo é um dos preditores mais eficientes para garantir o acesso da pessoa com TEA ao mercado de trabalho, e pode ser definido como um rol de atividades e habilidades conceituais, sociais e práticas que tem por fim permitir aos sujeitos uma vida autônoma e funcional. Nesse conceito se incluem as tão importantes e necessárias habilidades para a vida. (MORAES, 2020, p. 168)

Portanto, além das habilidades para a vida, esse programa deve levar em conta também outras habilidades como: comunicativas; socioemocionais; cognitivas e vocacionais. Esse programa deve atender as habilidades de aprendizagens conservadas e as que apresentem prontidão, a fim de que sejam desenvolvidas atividades as quais ajudem a superar dificuldades e promovam as qualidades. E, também, deve incluir atividades que promovam o exercício de áreas que no TEA por vezes apresentam dificuldades como a atenção, a memória e as funções executivas (habilidades para o controle da saúde mental e vida funcional).

Para a parte de autocuidado, devemos, antes, pensar que as pessoas autistas podem apresentar dificuldades quando necessitam realizar atividades que requeiram atenção, a fim de sanar qualquer déficit apresentamos atividades visuais com o apoio da fala (com ordens simples e diretas), utilizando materiais que possam ser facilmente acessados e manipulados. Por exemplo, para algumas pessoas autistas, será necessário um sistema de atividade para uso do banheiro. Nesse sistema, encontra-se a sequência de passos que o indivíduo terá que fazer para utilizar o sanitário funcionalmente.

Outra dificuldade que pode ocorrer também no TEA é relativo à memória. Isso independe do nível de suporte que necessita. As pessoas autistas de qualquer nível de suporte podem apresentar dificuldades relativas à memória. Por isso, é importante que o programa apresente as atividades visuais com o apoio verbal. A atividade, quando é apresentada visualmente, pode ser acessada diversas vezes quanto forem necessárias para haver fixação, pois ela está ali permanente.

Quanto às funções executivas de maneira geral, dificuldades também são apresentados, por exemplo, como o indivíduo organiza, planeja, classifica e hierarquiza informações. Bons materiais a serem usados nesse caso são os jogos de tabuleiro, labirintos, jogos de atenção, etc. Para flexibilização, jogos que exijam respostas rápidas são ideais para o controle inibitório (habilidade para inibir ou controlar respostas impulsivas) como Uno, Charada, Desafio, etc.

Além do exposto, o programa deverá treinar as habilidades socioemocionais, trabalhando, por exemplo, termos de natureza abstrata que podem ser de difícil entendimento e convertê-los em algo concreto. Devem-se definir especificamente as habilidades que se têm e as que se desejam, para assim fornecer recursos visuais e/ou verbais. Desenvolver atividades que promovam situações sociais e trocas, para que o aluno desenvolva a inteligência social, ser capaz de se colocar no lugar do outro, atividades que exercitem a Teoria da Mente (a grosso modo, como pensamos e reagimos aos pensamentos de outrem). Para promoção de habilidades socioemocionais, o ideal é oferecer previsibilidade através de ambientes estruturados que ajudem a combater a ansiedade. O uso de apoios visuais é indicado como: murais, calendários, cronogramas, listas, imagens, pictogramas, etc.

Outras questões importantes de serem trabalhadas em um programa educativo para adultos são o desenvolvimento de autoestima, o reconhecimento de si e do outro. Isso ajudará no despertar da autoconsciência e fomentará cooperação entre os pares, a descoberta de outros interesses e as possíveis novas amizades.

Por fim, deve-se lembrar que, ao desenvolver um programa educativo para adultos, é necessário apresentar atividades que contemplem o perfil individual de cada pessoa autista. E que essas atividades sejam trabalhadas em contextos naturais como a escola, o centro de atendimento ou a própria casa, com o engajamento de pessoas de várias faixas etárias, inclusive a família, para que se possam replicar contextos. Para Schmidt e Bosa (2014), deve-se ter sempre em mente que a família de uma criança[1] autista necessita tanto de atendimento e orientação quanto o próprio indivíduo, não só para sua própria organização e ajustamento, como também para que possa constituir um elemento de apoio e ajuda ao processo de educação e reabilitação.

 

Referências:

SCHIMIDT, C.; BOSA, C. A Investigação do impacto do autismo na família: revisão crítica da literatura e proposta de um novo modelo. Inter em Psicol. Rio Grande do Sul, v. 7, n. 2, p. 111-120, 2003. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/psicologia/article/viewFile/3229/2591. Acessado em 20 de novembro de 2020.

MORAES, C. O ensino de habilidades para a vida independente e o uso de atividades vocacionais para jovens e adultos com TEA. In: LEON, V. de. Autismo: como transtorno do implícito e seus possíveis desdobramentos terapêuticos.  1. ed.  Curitiba: Editora Polis Civitas, 2020. p. 168 – 172.

[1] Grifo para ilustrar o quanto nossa literatura também é voltada quase que exclusivamente ao segmento infantil.

 

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