1 de dezembro de 2024

Tempo de Leitura: 3 minutos

A empatia é uma das características mais valorizadas em interações sociais e profissionais. Entretanto, para pessoas no espectro autista, a maneira como a empatia é expressa pode ser muito diferente da forma tradicionalmente esperada, o que frequentemente leva a julgamentos equivocados e até críticas, como a que ocorreu recentemente com um paciente autista que atendo. Ele relatou que seu chefe lhe disse que “não tem empatia”, o que lhe causou profunda frustração. Este texto busca desmistificar a ideia de que pessoas autistas não têm empatia e explicar como essas diferenças se manifestam, especialmente em comparação com transtornos de personalidade.

Empatia no autismo

Para compreender a empatia no espectro autista, é importante diferenciar dois aspectos principais: a empatia cognitiva, que se refere à capacidade de entender o que outra pessoa está sentindo, e a empatia emocional, que envolve sentir junto com a outra pessoa. No autismo, a empatia cognitiva costuma ser mais desafiadora, pois há dificuldade em interpretar sinais sociais, como expressões faciais, tom de voz e gestos. Essas dificuldades podem fazer com que a pessoa autista tenha problemas em perceber emoções alheias de maneira automática, como geralmente é esperado em interações sociais.

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Esse desafio, no entanto, não significa que a pessoa não se importe ou não deseje se conectar. Muitas pessoas no espectro demonstram empatia emocional profunda quando conseguem compreender claramente o que o outro está sentindo. O relato desse meu paciente autista, que comentou que “não sentiu nada” quando sua tia faleceu, ilustra bem essa diferença. Para muitos, essa resposta poderia parecer insensível. No entanto, no contexto do autismo, esse tipo de reação é comum e pode refletir uma dificuldade em acessar e expressar emoções em situações intensas, e não uma falta de afeto ou preocupação.

Empatia e transtornos de personalidade

A comparação entre autismo e transtornos de personalidade ajuda a esclarecer o tipo de empatia que falta em cada um. Em transtornos de personalidade como o antissocial ou narcisista, a pessoa geralmente consegue entender o que os outros estão sentindo, mas escolhe ignorar ou até explorar essas emoções. O transtorno antissocial, por exemplo, pode envolver manipulação ou insensibilidade ao sofrimento alheio, sem qualquer preocupação com o impacto emocional. Essa diferença é essencial: enquanto no autismo a empatia é prejudicada por dificuldades em perceber as emoções, nos transtornos de personalidade a falta de empatia está ligada a um desinteresse ou manipulação ativa.

Feedbacks e expectativas no trabalho

Infelizmente, essas nuances nem sempre são compreendidas em ambientes profissionais, resultando em feedbacks que podem impactar negativamente a autoestima de pessoas autistas. Um exemplo é o caso desse paciente que mencionei. Esse tipo de crítica — “Você não tem empatia!” — pode gerar grande frustração, pois, apesar das dificuldades, muitas pessoas autistas se preocupam genuinamente com os outros e com o ambiente de trabalho.

Esse feedback reflete um mal-entendido sobre o que significa demonstrar empatia no contexto do autismo. Em muitos casos, o autista pode estar realmente interessado no bem-estar dos colegas, mas enfrenta desafios em expressar isso de uma forma perceptível. Quando as expectativas sociais não são comunicadas de maneira clara, essas pessoas podem se sentir mal compreendidas e até alienadas no ambiente de trabalho.

Inclusão e compreensão

Para evitar mal-entendidos é fundamental promover uma cultura de inclusão e conscientização. Treinamentos que ajudem gestores e colegas de trabalho a entender as diferenças na maneira como a empatia é expressa por pessoas no espectro autista podem melhorar as relações no ambiente de trabalho. Dar feedback construtivo e claro, focado no comportamento específico a ser melhorado, em vez de críticas vagas sobre “falta de empatia”, pode tornar o ambiente de trabalho mais acolhedor.

Além disso, é importante apoiar pessoas autistas a desenvolver habilidades de comunicação que as ajudem a expressar sua empatia de forma mais clara para os outros. Estratégias como escuta ativa e treinamento em habilidades sociais podem facilitar o processo de adaptação social e ajudar a evitar julgamentos errôneos.

Leitura social

A empatia nas pessoas com autismo é frequentemente mal interpretada, e é preciso desmistificar a ideia de que elas não se importam com os outros. Entender que a dificuldade está na leitura social, e não na ausência de sentimentos, é crucial para reduzir mal-entendidos. Ao promover conscientização sobre essas diferenças, podemos criar ambientes de trabalho e sociais mais inclusivos, onde pessoas no espectro autista possam se sentir mais aceitas e compreendidas.

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Médico psiquiatra, com especialização em psiquiatra forense e psicoterapia.

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