Recentemente, li um post de Raquel Del Monde sobre “o problema da dupla empatia” que me fez refletir muito sobre algo que venho dizendo há anos para aqueles que caminham comigo: a inclusão é uma via de mão dupla.
Damian Milton, psicólogo, sociólogo e ativista, cunhou o termo em 2012. O conceito está relacionado ao fato de haver um duplo ‘estranhamento’ entre neurotípicos e atípicos, sendo que apenas os atípicos são forçados a ‘se encaixar’. Todo o trabalho de Milton em pesquisas com grupos de autistas e não autistas busca demonstrar o “reconhecimento de que somos igualmente estranhos uns aos outros, que meus modos de ser não são apenas versões ‘danificadas’ de vocês”.
Essa é uma frase impactante que traduz o novo paradigma sobre a deficiência, afastando-nos do modelo médico e aproximando-nos de uma visão mais social onde o modo de viver em sociedade é plural e respeitoso. Não se trata aqui de “na minha opinião” ou “tenho o direito de achar o que quiser”. Valores como moral, ética e respeito estão acima de qualquer ponto de vista, e quando nos referimos aos direitos humanos de ir e vir, ser e estar, falamos de uma aproximação que permite que o invisível se torne visível, nos aproximando da diferença e aceitando-a como parte da pluralidade da fauna à qual pertencemos.
Quando falamos em processos de reabilitação, modificação de comportamento e treinamento, estamos nos referindo a mudanças em apenas um dos lados, o ‘tecnicamente defeituoso’, aquele que precisa ser ‘adequado’. Nada é mais capacitista do que esse pensamento. É como quando em terapia de casal, apenas um quer que o outro mude para melhorar a relação: ‘eu estou certo (a)”. Mudanças devem ocorrer no sistema como um todo, de um lado e do outro, como uma via de mão dupla.
Sophia Mendonça, em um artigo, traz uma questão muito importante sobre a dupla empatia: os neurotípicos não “necessitam” copiar ou imitar comportamentos atípicos para garantir a comunicação. Aqui, contamos apenas com uma via de mão única, com apenas um dos lados precisando “se adequar”.
Ouço frequentemente a frase “mas assim vou ficar louca (o)” quando converso sobre uma comunicação de duas mãos; “não consigo pensar em tudo”. É exatamente assim que seu (sua) filho (a) se sente quando está na sala de aula, na mesa de jantar ou no parque brincando com seus colegas: tentando pensar em tudo e se autorregular ao mesmo tempo. De enlouquecer, não é?
Se o esforço de comunicação e compreensão for bilateral, tudo fica mais simples e menos capacitista. O que temos feito é como se pedíssemos a uma pessoa idosa “andar mais depressa” porque estamos com pressa. E, infelizmente, ainda fazemos isso.
Quando não buscamos nos fazer entender ou entender o pensamento atípico, agimos sem empatia, como costumamos dizer sobre eles. Precisamos de mais esforços da sociedade em mudanças. Precisamos erradicar o bullying de nossas escolas. Precisamos começar a ver o que nos parece invisível. Precisamos de dupla empatia.