3 de dezembro de 2021

Tempo de Leitura: 3 minutos

Ainda hoje, eu consigo rir de mim mesma quando olho para trás. Eu não sabia que minha filha era autista. Muito menos eu nem eu. Assim, quando ela nasceu, eu estranhei tudo. Claro, mais tarde iria descobrir meu próprio diagnóstico. Fato é que eu a observava com muita curiosidade. Para a mulher autista, o filho precisa ser hiper foco. Afinal, é preciso entender, profundamente, toda a mudança que um filho nos traz.

As primeiras impressões de minha filha não autista

Minhas primeiras impressões, ao chegar com minha filha do hospital, foram:

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  1. Deus do céu. Ela respira. Isso me traz uma grande responsabilidade. Devo mantê-la respirando. E ela confia tanto em mim. Preciso honrar essa confiança.
  2. A rotina mudou muito. Eu queria minha vida de antes, mesmo sem querer descartar minha menina.
  3. Vida de bebê é bem sem graça. O que posso oferecer para tentar melhorar isso?
  4. Sophia me intrigou. Eu podia jurar que ela me observava o tempo todo. Ainda que estivesse em seu primeiro mês de vida.
  5. Sim, eu tive certeza de que, além de me observar, ela me analisava. Confidenciei minha impressão para o pai dela.
  6. Preciso de um roteiro para não deixar nada passar nas visitas ao pediatra.
  7. Preciso de um roteiro para não esquecer nada do que o pediatra dissesse.

Decisões frente a filha que eu não sabia que era autista

Então, vou enumerar, agora, as soluções que adotei para os 7 itens citados acima.

  1. Segui, à risca as instruções do pediatra. Elegi ele, o pai de minha filha e minha mãe como as pessoas das quais eu ouviria as opiniões. Cá para nós, todo mundo vinha com um palpite. Aliás, para eles, suas opiniões eram diretrizes a serem seguidas. Tomei essa decisão quando uma amiga me aconselhou a comprar um bico. Para ela, o bebê precisa desse conforto. Comprei e descobri duas coisas: Primeira, existe chupeta para recém-nascido. Eu, claro, jurava que bico era tamanho único. Segunda, nem todos os bebês gostam de bico. Eu mesma detestava aquele cheiro estranho da borracha. Eu não sabia que minha filha era autista. E nem eu.
  2. A rotina mudou tanto. Até a novela que eu seguia acabou. Logo, a noite tornou-se uma desconhecida. Um bebê em casa sem nem as vozes das personagens da novela eram as mesmas. Tratei de traçar nova e rigorosa rotina, Certamente, incluí outras duas pessoas na nova rotina: minha mãe e minha filha.
  3. Disseram que é muito bom cantar para nosso bebê. Eu simplesmente, não conseguia. Desde que meu pai me disse que eu era muito desafinada, eu travei. Desse modo, desde criança, só cantava no banheiro. Então, passei a contar para minha filha tudo que estava fazendo, Além disso, descrevia o cenário, ensinava o nome de tudo que eu pegava. Quando não podia estar com ela, colocava o carrinho em frente a TV para ela assistir os Telecursos, da Globo. Sei lá o que ela pensava. Queria só oferecer bons temas para ela pensar sobre eles. Se fosse o caso. Mas pelo sim ou pelo não, pelo talvez… Só não deixava longos períodos, porque nada em excesso é bom, não é mesmo?

Continua…

  1. Nunca vou me esquecer daqueles olhos grandes de jabuticaba sobre mim. Aliás, muito menos da sobrancelha arqueada. Foi aí que decidi tentar ser bom exemplo sempre. Vai que ela estivesse me julgando…
  2. O pai de Sophia riu muito quando falei de minha impressão de estar sendo julgada. Fiquei furiosa. “Então, devolvi na mesma moeda. E você que estava preocupado com o macacãozinho apertando os pés. Não queria que as unhas dela encravassem.” Pois, sim! Eu sabia que minha filha era diferente. Só não sabia, ainda, que ela era autista.
  3. Resolvi não registrar em fotos todos os momentos vividos com Sophia. Assim, registrava poucos e escrevia muitos. Nunca quis ler para as pessoas além do pai. Poderiam não acreditar nos meus registros. Sophia era bem peculiar. É, e eu não queria ouvir o de sempre: “toda mãe acha seu filho o mais inteligente.” Quando essas pessoas iriam ver que eu não era e nunca fui todas as mães. Foi assim que descobri que escrever o diário de minha filha, seria muito bom nas visitas ao pediatra.
  4. Não gosto de ir a médicos sozinha. Quando eu saio, já esqueci o que ele disse. Em contrapartida, me lembro de muita coisa que eu deveria ter dito. Assim, como ainda não havia uma troca com Sophia, era como se eu fosse sozinha. Novamente, recorria ao time escalado para estar comigo: minha mãe e o pai de Sophia.

Ser metódica, às vezes, complica

O fato de eu escrever o que diria ao pediatra de Sophia, me ajudou bastante. Isso porque, quando quero descrever fatos ou sensações que são importantes para mim, sou prolixa. Sempre penso que não estão entendendo o que eu falo. E, como já disse, não sabia que minha filha era autista. E nem eu.

Numa das visitas ao pediatra, eu Roberto e Sophia, eu reclamei que ela não conseguia segurar um biscoito para comer. Dr. Guilherme rebateu de imediato: “E para que comer biscoito?” Respondi: “Para ter um entretenimento. Ela já está com 8 meses. Precisa segurar um biscoito na mão para se distrair.” E o doutor: “Comida não é distração? Você quer que ela fique gorda, igual ao pai?” Paro por aqui. Mais não conto, em respeito às partes envolvidas.

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Jornalista e relações públicas, diagnosticada com autismo, autora dos livros "Minha Vida de Trás pra Frente", "Dez Anos Depois", "Camaleônicos" e "Autismo no Feminino", mantém o site "O Mundo Autista" no Portal UAI e o canal do YouTube "Mundo Autista".

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