28 de maio de 2021

Tempo de Leitura: 3 minutos

Eu fui para casa de minha mãe, numa cidadezinha próxima a Beagá, aqui em Minas Gerais, no dia 23 de dezembro de 2020 e só retornei à minha casa, no início desse mês. Situações novas que nos impõe a pandemia.

Minha mãe, Irene, amou a ideia. Eu também. Foram muitas nossas trocas, inclusive fiz um vídeo para o canal Mundo Autista sobre meu aprendizado ao lado dela. Ouro puro essa troca de gerações. Perde quem ainda não se atentou para a coeducação entre gerações.

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O doutor, mestre e psicólogo José Carlos Ferrigno estudou e analisou as trocas de afeto e de conhecimentos específicos que uma geração repassa à outra. Essa aproximação das gerações (conforme conclui o psicólogo) pode incrementar a inclusão social de velhos e jovens, enriquecendo-os mutuamente, desenvolvendo a tolerância e a solidariedade e amenizando, portanto, os efeitos nocivos do preconceito etário.

Foi exatamente o que vivi com minha mãe, durante quase 5 meses de convívio diário, uma vivência rica em aprendizado. Em contrapartida, minha mãe intensificou a curiosidade pelo uso da tecnologia, lançou-se ao ambiente do estudo virtual e, agora, é nossa parceira no Mundo Autista. Mas algo em mim e na Sophia incomodava imensamente a amada Irene: ela reclama de nosso ritmo frenético e de nosso cérebro que parece não descansar nunca.

Expliquei a ela que para mim e Sophia estarmos com ela, fora de nossa casa, precisaríamos criar um ambiente com o qual nos identificássemos para que nos sentíssemos confortáveis. Não foi difícil com um quarto só para a Sophia e outro para mim. O escritório com tripés, notebooks, microfones e outras ‘cositas mas’ foi montado na sala. Nada que incomodasse, devido à estrutura da casa do pequeno sítio, onde a cozinha é o local da conversa e da troca de afetos e carinhos traduzidos pela culinária mineira.

Antes, porém, fizemos uma reorganização para que tivéssemos menos apelo visual, o que nos dispersa e estressa. A disposição de tudo na cozinha também teve de atender à minha lógica meticulosa para que eu pudesse cumprir minhas tarefas de eventual dona de casa e cozinheira, sem muito estresse.

Lá fora, o jardim e o pomar eram bem cuidados e agradáveis à visão e convidativo a reflexões e clicks fotográficos. O galinheiro, antes construído com certo descaso (a meu ver), foi refeito, muito bem organizado – um verdadeiro lar para o galo e as galinhas garnizé.

Os horários do café da manhã e das refeições foram refeitos já que minha mãe, apesar de sua alma livre e rebelde) cedeu à organização metódica da filha. Por vezes, eu estava no meio de uma tarefa, coando café, por exemplo, e ela sugeria que colocasse o coador assim, o pó de outro jeito e, quando eu olhava aflita para ela, ela já se explicava: ‘eu me esqueço, já estou te confundindo.” Eu sorria, meio encabulada e reforçava que quando me lanço à uma tarefa, meu cérebro é todo direcionado ao passo a passo desenhado em minha mente. “Pode passar as instruções, mãezinha, mas explique de maneira assertiva, com poucas palavras, antes de eu começar a fazer ‘do meu jeito’”, eu emendava constrangida.

Mas certo é que, por vezes, ela me interrompia mesmo, eu me desorganizava, a gente ria e começava tudo de novo. Percebi que a vida é assim, que posso ser flexível e que o jeito do outro, as tentativas, tudo isso faz parte de um aprendizado maior também. A única coisa que não expliquei para minha mãe foi que, para me relacionar com mais gente além da Sophia, eu passo o dia inteiro negociando com meu cérebro, criando estratégias e mais estratégias, na tentativa de entender esse mundo tão complicado à minha volta.

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Jornalista e relações públicas, diagnosticada com autismo, autora dos livros "Minha Vida de Trás pra Frente", "Dez Anos Depois", "Camaleônicos" e "Autismo no Feminino", mantém o site "O Mundo Autista" no Portal UAI e o canal do YouTube "Mundo Autista".

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