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Desde os anos 1970 e 1980 o estudo das funções executivas em pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo tem sido pauta na comunidade científica.
As funções executivas referem-se a um conjunto de habilidades necessárias para planejar, organizar e controlar o comportamento. Elas são importantes para a rotina diária, incluindo a capacidade de estudar e trabalhar de forma eficaz, gerenciar tarefas e relacionamentos, resolver problemas e tomar decisões.
Este conceito funciona como um guarda-chuva de várias habilidades como: flexibilidade cognitiva, controle emocional, controle inibitório, memória de trabalho, iniciativa, planejamento, organização e monitoramento. O cérebro não nasce com essas funções desenvolvidas. Elas serão, então. adquiridas se o ambiente em que a criança cresce e convive possuir experiências adequadas e direcionadas para essa aprendizagem.
As áreas cerebrais relacionadas com as funções executivas se localizam principalmente no córtex pré-frontal e frontal. Essas, por sua vez, possuem direta relação com as áreas responsáveis por pensamentos, ações e emoções. Então, o funcionamento em nível cerebral é complexo e depende também das conexões entre neurônios de diferentes áreas.
O sucesso no funcionamento das funções executivas é preditivo de êxito na vida real. A ativação dessas conexões irá resultar em várias atividades. Alguns exemplos são as de vida diária (capacidade de vestir roupa ou preparar as refeições), realizar tarefas acadêmicas (alfabetização, entregar um trabalho organizado em tópicos, realizar cálculos matemáticos) e participar de atividades sociais (esperar a sua vez em uma conversa).
Outro destaque é que a capacidade de controle inibitório da infância (inibir o seu desejo para se envolver no que é proposto ou necessário) reflete-se na qualidade do aprendizado e em melhores resultados nas provas e nas atividades escolares, no sucesso na transição para a faculdade, nas relações sociais, na capacidade de não se envolver em vícios (como álcool/drogas), entre outros aspectos.
Portanto, como indivíduos com autismo já têm um cérebro que funciona diferente em muitas áreas e também possuem hiperfoco, a compreensão de como é possível ajudar a desenvolver habilidades da função executiva desde a primeira infância pode trazer resultados sensivelmente superiores em nível de qualidade de vida.
É importante ensinar a criança, desde pequena, a trabalhar a flexibilidade cognitiva, para aceitar mudanças na rotina e entender que, em muitas ocasiões, suas expectativas não serão alcançadas por fatores externos, as transições de uma atividade para a outra irão resultar em maior possibilidade de se tornar um adulto que consiga viver melhor em família, na sociedade e no trabalho.
As funções executivas podem ser avaliadas por exames específicos, como o Teste da Torre de London (TOL) ou pelo Wisconsin Card Sorting Test (WCST). Outras formas de aferir, como o uso de questionários específicos validados, também constam na literatura científica.
Implicações clínicas e terapêuticas
As dificuldades nas funções executivas em indivíduos com TEA têm implicações terapêuticas significativas. Profissionais de saúde e de educação devem estar cientes desses fatores e adaptar seus métodos de tratamento para ajudar na criação e ampliação das habilidades executivas. O processo deve incluir a utilização de técnicas de intervenção, com estratégias direcionadas para o treinamento das funções executivas.
Além disso, métodos de suporte são direcionados às dificuldades executivas específicas apresentadas por cada indivíduo com TEA. O uso de tecnologias assistivas, como aplicativos de gerenciamento de tarefas e lembretes, configura-se como benéfico para ajudar no controle de tarefas corriqueiras. Durante o acompanhamento, é preciso refletir se o paciente está conseguindo pensar antes de tomar atitudes; se está cumprindo a devida adaptação à sobrecarga cotidiana; como está sendo a reação aos problemas cotidianos; se está conseguindo organizar suas tarefas e se consegue hierarquizar prioridades.
De toda forma, é importante haver consciência do conceito de monitoração, que é, basicamente, entender como se deu uma situação, checar os erros e ver o indicado para o aperfeiçoamento. Existem métodos eficientes para trabalhar e desenvolver as funções executivas desde a primeira infância. O acompanhamento clínico adequado potencializa, e muito, o prognóstico dos indivíduos com TEA.
Liubiana Arantes é doutora em Neuropediatria, doutorado-s na Universidade de Harvard; professora na Faculdade de Medicina da UFMG.