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Quando olhamos para a representação do autismo em nossa sociedade, por exemplo em filmes, séries ou televisão, sempre lembramos do Sheldon Cooper do The Big Bang Theory, ou mais recentemente com The Good Doctor e Atypical. As exceções são a personagem Benê do seriado Malhação da Rede Globo e, para quem não é da área ou convive com o autismo, poucas pessoas ainda conhecem a fantástica Temple Grandin, cientista renomada e uma das principais referências do mundo. Ou seja, o autismo em sua maioria é representado por homens, mas não podemos esquecer que, apesar da menor prevalência, também é encontrado em mulheres. Vamos falar sobre isso?
Grande parte das jovens com autismo leve que passaram pelo programa da Specialisterne, cerca de 90% delas, e que hoje estão trabalhando, tiveram o diagnóstico de autismo já na vida adulta. Através de relatos de mulheres autistas e profissionais de saúde, percebe-se que as características de dificuldades de comunicação e interação social são camufladas por comportamentos aprendidos em resposta à sociedade, de forma que sejam mais aceitáveis dentro dos padrões ditos normais. E, diante disso, acabam tidas como mais quietas, tímidas e reservadas, a própria família justifica com “ah, ela é assim mesmo”, sem perceber ou suspeitar do diagnóstico de autismo. O problema aqui, ao meu ver, é o quanto a falta do diagnóstico faz com que essas mulheres tenham vivências educacionais e de relacionamentos mais complexos e com maiores dificuldades. Temos muitos relatos de mulheres com autismo que se sentiram aliviadas ao saber de seus diagnósticos, de fazer parte de um grupo com características semelhantes e assim, se conhecerem melhor. “Quando temos clareza de quem somos, podemos expressar todo nosso potencial, e ter orgulho disso.”
Como neste artigo o objetivo é dar voz às mulheres com autismo, trago a seguir algumas histórias, experiências e o olhar de como foi, para elas, entrar no mercado de trabalho.
“A sociedade ainda espera que as mulheres casem, tenham filhos e cuidem deles. São cobranças que não pesam contra os homens, que acabam tendo mais disponibilidade para se dedicarem à profissão do que as mulheres.”
“Sou uma pessoa direta e honesta e, geralmente, muitas pessoas enxergam isso como grosseria e se espantam, pois esperam de mim, devido à minha aparência, uma postura amável e doce, sem demonstrar as minhas opiniões e sentimentos.”
“As mulheres são mais exigidas no mercado de trabalho e precisam provar (constantemente) seu valor.”
“Existe uma maneira pré-determinada de como nós mulheres devemos agir em sociedade, muitas pessoas esperam isso, mesmo que de forma subconsciente, o que faz com que acabemos sendo excluídas de certos locais de convívio, quando não nos portamos da maneira esperada. Precisamos ser sempre solícitas e simpáticas, não podemos exigir nossos direitos ou demonstrar nossa opinião.”
Percebemos, através destes relatos, alguns elementos do que é esperado da figura da mulher socialmente versus as características que elas possuem por estarem dentro do espectro do autismo. Por isso a importância de darmos voz a essas mulheres para desconstruir pré-conceitos e possibilitar a expressão de todos os seus talentos como protagonistas, garantindo assim sua entrada [na] e construção de uma carreira profissional.
Um agradecimento especial às queridas Ana Beatriz, Angélica, Bianca, Claudia, Jéssica, Julia, Laura, Natalia que contribuíram com a riqueza deste artigo.
Deixo aqui a mensagem de uma profissional neurodiversa que representa o poder de todas essas mulheres: “Continuem sendo vocês mesmas, mesmo que não caibam nas “caixas” em que a sociedade teima em querer nos enfiar. E saibam que vocês são perfeitas em todas as suas singularidades, gostem os outros ou não.”
Indicação de leitura: “The invisible oppression of the autistic female“, de Chloé Caldasso (link na versão online)