1 de setembro de 2019

Tempo de Leitura: 4 minutos

Quando Pedro foi diagnosticado com autismo, em 2005, o ponto principal observado era que ele “não imitava”. Completamente leiga no assunto de desenvolvimento, eu não consegui, na época, entender toda aquela ênfase na questão de ele não imitar.

Iniciadas as várias linhas de tratamento, o tema sobre não imitar sempre estava no centro das conversas. Pedro, naquela época, também não seguia instruções simples, não se comunicava de forma efetiva, nem brincava.

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Através da terapia comportamental aplicamos vários programas para ensiná-lo a imitar: “Pedro, faz assim” — e praticávamos uma ação, ele a realizava, e assim ficávamos. As conexões cerebrais que estávamos fortalecendo eram as de seguir comandos, o que é útil também, mas isso não trabalha a necessidade central de aprender a aprender, o que acontece através de observação e imitação, não de ouvir um comando e executar a ação proposta.

Em 2007, imersos em tratamentos para autismo e com a possibilidade do meu segundo filho também estar no espectro — o que se confirmou meses depois —, fomos à clínica do PACE Place, nos EUA, sob recomendação da terapeuta comportamental que nos assessorava. 

No PACE Place, entre incontáveis aprendizados que direcionaram melhor o dia a dia da nossa peculiar família, com 2 crianças com autismo, fomos apresentados ao ConnectorRX.

O ConnectorRx é um dispositivo relacional criado por Eric Hamblen para melhorar a coordenação social, emocional e física entre as crianças e seus cuidadores principais.

Ele funciona pela conexāo física entre o adulto e a criança através de um cinto com um sistema de corda.

Enquanto conectada, a criança percebe que é mais fácil notar as insinuações sociais, raciocinar através da experiência do adulto e integrar essa informaçāo para manifestar uma resposta apropriada ao ambiente e aos sinais sociais (informações do site ConnectorRX.com).

De forma prática o ConnectorRX é um par de cintos ligados por uma corda. A ideia de utilizar cintos para a conexão física entre o cuidador e a pessoa com autismo faz com que ela aconteça com base no quadril, o que retira a impressão neurológica de o cérebro estar sendo dominado ou controlado. A conexão pelo quadril é mais efetiva para proporcionar a percepção de segurança e proteção, pois reproduz a época (e as situações) em que as crianças são seguradas no colo, enquanto são apresentadas aos diversos estímulos do ambiente.

Iniciamos o uso do ConnectorRx em caminhadas com o objetivo principal de fazer com que o Luís entendesse que não estava no comando da família. Nessa época, Luís, com 2 anos e meio, era quem decidia para onde íamos, o que gera uma carga de estresse e ansiedade na criança e aumenta a busca constante por controle. No início, essa conexão física e emocional entre o adulto e o Luís gerou nele um certo medo. Ele sentiu a perda do controle absoluto, porém, com o uso do conector, foi aprendendo a apreciar a proteção emocional que uma criança deve sentir quando na presença de um adulto familiar.  Assim, foi-se abrindo espaço em sua mente para observar e estar atento aos aspectos sociais das interações entre pessoas.

Nessa época, Pedro, com 4 anos, passou a perceber nossa presença de tal forma que a experiência de estarmos caminhando juntos tornou-se compartilhada. Quando ele estava com 8 anos, iniciamos o uso do ConnectorRx de forma mais intensa dentro de casa, em atividades do cotidiano como servir o prato do jantar, usar o microondas, colocar a mesa, colocar roupa suja na lavanderia. Pedro, como muitas pessoas com autismo, usa o movimento para autorregulação, mas não é muito bom nisso. Seu movimento sem propósito acabava por não exercer essa função de regulação. Com o uso do conector nas atividades dentro de casa, Pedro pôde obter a “experiência da correlação” através do meu movimento, estando ligado fisicamente a mim.

A vida foi acontecendo e eu,sozinha nos cuidados diários dos dois meninos (com Pedro numa fase que escalava qualquer janela), passei a usar o ConnectorRx em atividades que ele não participava ativamente. Essa proximidade física foi incentivando, pela ausência de outros estímulos, que Pedro observasse o que eu estava fazendo. Sem distrações de entretenimento, Pedro passou a olhar como eu limpava o fogão, as janelas, o banheiro, guardava as roupas, e como se desenrolavam as outras ações que uma casa requer.

Dessa forma, Pedro foi ficando curioso e aberto a participar das atividades comigo. Aprendeu a preparar alimentos básicos, a organizar coisas pela casa, e, muito mais importante do que qualquer conhecimento específico, Pedro, através da proximidade física comigo, pelo uso do ConnectorRX, aprendeu a observar o outro, a ter interesse no que o outro faz, a ter a curiosidade para “tentar fazer também”. Com isso, um universo de possibilidades de aprendizado aconteceu para nós.

Em situações com transições, ou em ambientes com muitos estímulos como aeroportos, lojas e multidões, o uso do conector foi fundamental para que Pedro se sentisse seguro, uma vez que ele podia sentir a presença do adulto e, consequentemente,  um acesso mais fácil a seu cuidador.

Há alguns anos já não usamos o ConnectorRX no dia a dia com o Pedro pois ele se “coordena” conosco e, além de perceber nossa presença, também se mostra disposto e atento emocionalmente. A partir de então, ampliamos a função do conector na vida com o Pedro em treinos de corrida para ajudá-lo a entender o que é ritmo, cuja ausência, causada por sua apraxia, é um grande desafio a superar . 

Nas situações cotidianas colhemos os bons frutos desse aprendizado.  Pedro desenvolveu a capacidade de iniciar as atividades diárias em casa, aprendeu a observar as pessoas para saber como as coisas funcionam, descobriu o prazer da co-regulação ao estar na companhia das pessoas. Através do uso do ConnectorRx Pedro pôde descobrir o que existe por trás do medo em relação ao desconhecido, e sua vida ficou mais flexível, com mais possibilidades de aventuras que o preenchem pela satisfação de estar vivo.

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Relações-públicas, palestrante, tradutora, e mãe de dois meninos com autismo. Tem cursos nos EUA na área comportamental sensorial e de desenvolvimento relacional; faz interpretação e coapresentação do programa AT EASE Learning Model, coordena o grupo de apoio a pais aMais SP e é autora do blog Uma Voz para o Autismo.

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