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No dia 7.jan.2025, o CEO e fundador da Meta, Mark Zuckerberg, anunciou o fim do serviço de checagem de fatos nas plataformas administradas pela empresa, incluindo Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp. Além disso, foram implementadas mudanças na política de moderação de conteúdo desses serviços. Segundo a Meta, pelo menos 3 bilhões de pessoas no mundo utilizam um de seus produtos, conforme relatório divulgado no início de 2024.
As alterações geraram incerteza e preocupação entre especialistas e governantes ao redor do mundo, uma vez que diversos países já discutem a implementação de regras mais rígidas para o funcionamento das plataformas e a responsabilização dos usuários pelo compartilhamento de conteúdos falsos que atentam contra a democracia.
Mudanças na moderação e os riscos para grupos minoritários
As novas diretrizes da Meta não impactaram apenas a checagem de fatos, mas também a moderação de conteúdos relacionados a discurso de ódio. Agora, as postagens com esse teor passarão a ser classificadas como “conduta de ódio”, conforme reportagem publicada no dia 21 de janeiro pela Agência Aos Fatos.
No lugar do serviço de checagem profissional e independente, a Meta adotará o sistema de “Notas da Comunidade”, já utilizado na plataforma X (antigo Twitter). Esse recurso permite que os próprios usuários atribuam notas aos conteúdos publicados, baseando-se em suas experiências dentro do ambiente digital.
Na prática, isso significa que a Meta poderá permitir a circulação de postagens com teor discriminatório contra grupos étnicos, religiosos e minoritários, como a população LGBTQIAPN+ e as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), condutas que, vale lembrar, são proibidas pela legislação brasileira.
Os riscos para a população autista nas redes sociais
Ao longo da última década, as redes sociais desempenharam um papel fundamental na conscientização sobre o autismo. Associações de pais de autistas se organizaram em comunidades temáticas, enquanto autistas criadores de conteúdo ajudaram a dar visibilidade ao tema, além de utilizarem essas plataformas como fonte de renda, uma vez que muitos enfrentam dificuldades para conseguir emprego.
No entanto, as novas diretrizes da Meta representam um risco significativo para a população autista, especialmente porque podem permitir a circulação de postagens com discurso de ódio capacitista, como o uso de termos pejorativos para se referir a autistas, além da disseminação de informações falsas, como a existência de uma suposta “cura” para o autismo. Essa desinformação é extremamente prejudicial, pois o autismo não é uma doença, mas sim um transtorno do neurodesenvolvimento.
Esse cenário seria extremamente prejudicial e contraditório para a luta da comunidade atípica por inclusão no Brasil. Além disso, reforçaria a disparidade entre a busca por inclusão no mundo real e a realidade das redes sociais, onde o anonimato muitas vezes serve como escudo para ataques contra a honra e a autoestima de autistas. Isso pode ter impactos diretos na saúde mental dessas pessoas.
Ignorar ou minimizar esses problemas não é uma opção, pois a informação está disponível a qualquer momento para quem quiser se informar. O discurso de ódio e a disseminação de desinformação não são saudáveis nem justificáveis.
O sistema de “Notas da Comunidade” e seus desafios
Outra preocupação relevante é a eficácia do sistema de Notas da Comunidade. Com a responsabilidade pela moderação de conteúdo sendo transferida para os próprios usuários, que atribuirão notas com base em suas crenças, experiências e preferências políticas, há um grande risco de que conteúdos produzidos por autistas sejam derrubados injustamente. Isso pode acontecer quando determinadas informações são questionadas ou refutam desinformações já disseminadas, mas não são bem aceitas por determinados grupos.
O que esperar neste cenário de incertezas?
Diante desse contexto, considero positiva a postura do governo brasileiro ao iniciar discussões sobre os impactos dessas mudanças no país, especialmente para grupos minoritários. O Brasil possui um grande número de usuários das plataformas da Meta, e é fundamental entender os efeitos dessas novas diretrizes sobre esses públicos.
No entanto, senti que o governo ainda não conseguiu mobilizar a população de forma eficaz para debater esses problemas no ambiente digital. Sem perspectivas concretas para a aprovação de um projeto de regulamentação das redes sociais pelo Congresso Nacional, uma alternativa viável seria aguardar o desfecho do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1037696 no Supremo Tribunal Federal (STF). Esse julgamento avalia a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que trata da responsabilização civil dos provedores de internet por conteúdos publicados por terceiros.
No momento, o julgamento está suspenso devido a um pedido de vista do ministro André Mendonça, que solicitou mais tempo para analisar o processo. A expectativa é que o julgamento seja retomado ainda no primeiro semestre de 2025. A decisão final do STF servirá como referência para todos os processos relacionados ao tema nas instâncias inferiores.
Enquanto isso, resta à comunidade autista e a outros grupos afetados continuarem atentos e mobilizados para enfrentar os desafios que essa nova realidade digital impõe.