Tempo de Leitura: 3 minutos
Até o início de 2024, eu frequentava um grupo de autistas adultos em uma associação. No mês de março, quando adoeci, tomei a decisão de deixar o grupo definitivamente, pois já não me sentia mais à vontade para participar daquelas conversas. Foi uma decisão difícil, mas ao mesmo tempo muito bem calculada.
A recepção inicial foi muito amistosa e acolhedora, especialmente com o atendimento da psicóloga, que ajudou a administrar minhas dúvidas e inseguranças em relação a preocupações pessoais sobre o diagnóstico. No entanto, com o passar do tempo, essa relação começou a se desgastar e, no lugar do acolhimento, passei a ser hostilizado pelas minhas convicções e pela minha forma de enxergar o mundo.
Você, leitor(a), que me honra com sua leitura aqui no site da Revista Autismo, pode estar se perguntando: “Nossa, como pode um autista sofrer hostilidade de outros autistas?” Parece estranho, mas, como diz o ditado popular, “nem tudo que reluz é ouro”. Infelizmente, acabei sendo vítima, dentro do movimento autista, de um problema muito comum na sociedade: a invalidação do diagnóstico por outros autistas.
De acordo com o dicionário Priberam, a palavra “invalidação” significa o ato ou efeito de invalidar. No caso de autistas diagnosticados tardiamente, o que tem ocorrido é que pessoas neurotípicas, e até mesmo outros autistas, têm associado o diagnóstico a uma verdadeira “sentença condenatória”, onde a pessoa autista nasce assim, será assim, e não tem chance de alcançar projeção profissional, casar, namorar e experimentar sua sexualidade como qualquer outro indivíduo neurotípico.
Eu discordo dessa afirmação. Como já mencionei em colunas anteriores, o diagnóstico de autismo não cessa quando você deixa de ser criança e se torna adulto. Pelo contrário, as dificuldades crescem e se multiplicam, especialmente ao lidar com as pressões e demandas da vida adulta.
Sei que cada pessoa autista no espectro é única, com suas próprias dificuldades, medos, anseios e incertezas. Felizmente, faço parte de uma minoria que, apesar de ter sido diagnosticada tardiamente, conseguiu apoio emocional e suporte dos meus pais até hoje, o que me ajudou a lidar com minhas dificuldades de acesso ao suporte médico no Sistema Único de Saúde (SUS) e ao mercado de trabalho, que permanece fechado para nós autistas.
Mas será que esperar que todos os autistas adotem um clima de conformismo e acomodação é o caminho para tornar a sociedade verdadeiramente acessível e inclusiva para nós? Além disso, deslegitimar o interesse de autistas em buscar representatividade e espaço no mercado de trabalho, em querer namorar ou construir uma carreira profissional, é justo?
Minha mãe sempre me ensinou, desde cedo, a não fazer aos outros aquilo que eu não gostaria que fizessem comigo. Infelizmente, esse ambiente tóxico e hostil que presenciamos hoje no movimento autista é reflexo da falta de uniformidade e de tolerância dentro do grupo. Apesar do aumento da conscientização sobre o autismo, isso ainda não se traduziu em mudanças de comportamento e mentalidade na população.
A sociedade continua exposta a conteúdos tendenciosos e desinformados, o que gera um ambiente de instabilidade, muitas vezes nocivo à saúde mental dos autistas. Basta observar os ataques de ódio e discriminação contra criadores de conteúdo autistas na internet, bem como as informações distorcidas e equivocadas disseminadas por “especialistas” online, que vendem falsas curas na tentativa de normalizar comportamentos autistas.
Essas práticas seguem impunes devido a brechas na legislação brasileira, que permite que os responsáveis se escondam atrás de perfis virtuais para perpetuar estratégias cruéis e baixas. Quando questionei a mediadora do grupo sobre minha dificuldade com essa postura inquisitória das pessoas, ela me respondeu que eu deveria relevar esses comportamentos, pois “as pessoas não nascem más, apenas são desinformadas”.
Peço licença para discordar dela, respeitosamente. A Constituição Federal Brasileira de 1988 afirma que todos somos iguais perante a lei, sendo proibida qualquer tipo de discriminação, seja por raça, cor, gênero ou deficiência. Em um mundo globalizado e hiperconectado como o nosso, não podemos mais usar a ingenuidade e o desconhecimento como justificativa para condutas discriminatórias contra pessoas com deficiência, especialmente autistas.
Se esse comportamento não for combatido com a aplicação das leis existentes, corremos o risco de ver o mesmo fenômeno que ocorre com o racismo, por meio da injúria racial, que, apesar de ser proibida por lei, ainda é cometida por pessoas que se aproveitam da impunidade, alegando que “era só uma brincadeira”.
A esperança é que esse cenário comece a mudar com autistas diagnosticados tardiamente ocupando posições de destaque na sociedade, como os atores Anthony Hopkins, a atriz Letícia Sabatella, e a atriz e cantora Leilah Moreno, que integra os vocais da banda Altas Horas do programa apresentado por Serginho Groisman na Rede Globo.
Com mais autistas em posições de visibilidade, as pessoas aprenderão a naturalizar nossa presença e deixarão de nos ver como algo estranho. Além disso, esperamos que a sociedade se liberte das amarras da romantização, que tem sido mais prejudicial do que benéfica, fazendo com que a luta pelos direitos dos autistas permaneça estagnada.