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Durante a última semana, um assunto movimentou as redes sociais: a mobilização de autistas e ativistas dos direitos humanos contra o Projeto de Lei 4.614/2024, apresentado pelo Governo Federal e que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, em Brasília. A proposta apresenta um conjunto de medidas fiscais para reduzir despesas governamentais, incluindo cortes no orçamento de programas sociais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos e pessoas com deficiência (PCDs) em situação de vulnerabilidade social.
A proposta foi anunciada pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão no último dia 28 de novembro. Esse conjunto de medidas surge em razão da dificuldade de cumprir a meta fiscal estabelecida para 2024. No caso do BPC, as principais mudanças anunciadas são:
- Proibição de dedução de rendas para enquadramento no BPC por via administrativa ou judicial;
- Prova de vida anual, como ocorre com aposentados do INSS;
- Reconhecimento facial e biometria para concessão e manutenção de pagamentos;
- Atualização de cadastro por meio de aplicativos de celular ou nas unidades dos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS);
- Consideração da pessoa com deficiência como aquela incapaz para a vida laboral e em sociedade.
Número de concessões do BPC pela Justiça triplicou nos últimos três anos
A principal justificativa do Governo Federal para limitar a concessão do benefício é o aumento de fraudes na obtenção do BPC por via judicial. Segundo matéria publicada pelo jornalista Tácio Lorran no portal Metrópoles,, em 2024 o número de processos relacionados ao benefício bateu recorde, com um aumento de mais de 25% em relação ao ano anterior: foram registrados 854,1 mil processos em 2024 contra 682,4 mil em 2023.
Dados do Datajus — o banco de dados do Judiciário vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) — revelam que esse aumento foi impulsionado pelo crescimento no número de diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista (TEA), reflexo do maior acesso aos diagnósticos nos últimos anos.
É consenso que a assistência social é um direito constitucional garantido por lei, inclusive para autistas, que são legalmente reconhecidos como pessoas com deficiência, conforme estabelecido pela Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
Embora existam relatos de pessoas que, por má-fé, tentam obter o BPC de forma irregular, o problema principal reside na falta de fiscalização adequada e em critérios mais justos para a concessão do benefício.
Não são raros os casos de autistas com nível de suporte 1, que têm condições de se sustentar e viver de forma autônoma, mas ainda assim enfrentam barreiras para acessar o benefício devido ao capacitismo estrutural do Estado Brasileiro. Historicamente, o Estado tem falhado em inserir essa população no mercado de trabalho, agravando suas dificuldades de subsistência.
Por outro lado, não é justo punir famílias de autistas que recebem o benefício — muitas vezes equivalente a um salário mínimo, insuficiente para cobrir despesas com terapias e medicações — apenas para atender às pressões do mercado financeiro. Essas pressões frequentemente pedem a redução de orçamentos para políticas sociais, sem apresentar dados consistentes que sustentem o argumento de fraudes no benefício.
Como está o andamento do Projeto na Câmara dos Deputados
Após ser enviado pelo Ministério da Fazenda, o PL 4.614/2024 está em tramitação em regime de urgência na Câmara dos Deputados. Isso significa que o projeto pode ir diretamente ao Plenário, sem necessidade de passar pelas comissões. No entanto, devido à pressão da sociedade civil e de entidades ligadas aos direitos das pessoas com deficiência, é provável que o texto sofra alterações antes do fim do recesso legislativo de 2024.
Dado o impacto dessa proposta na vida da população brasileira, é essencial que o tema seja debatido de forma ampla e democrática. O ideal é que se chegue a um consenso que proteja os mais vulneráveis e estabeleça um controle rigoroso na concessão de benefícios, com regras claras e objetivas que respeitem a realidade de cada cidadão. Dessa forma, todos saem ganhando: a população mais vulnerável e, sobretudo, a democracia.