9 de novembro de 2024

Tempo de Leitura: 5 minutos

Pensamento lógico e o autismo. O que isso significa? Tenho considerado o peso da ponderação e das possibilidades na vida da pessoa autista. Os autistas níveis 2 e 3 têm maior necessidade de suporte na área da comunicação. Geralmente, autista com nível de suporte 1 não apresenta a mesma demanda. Exceto, quando se trata de decodificar a mensagem do outro num contexto que envolva sentimentos e emoções.

Sentimentos e emoções não são a mesma coisa

Todo autista é pleno de sentimentos adquiridos de acordo com suas vivências. Os sentimentos são construídos por meio do pensamento e da avaliação. Já as emoções são nossas reações imediatas a algo ou a situações. Portanto, as emoções são reações intensas, orgânicas e passageiras a estímulos, (que envolvem nosso sistema límbico).  Dessa forma, são instintivas e podem ser observáveis ao olhar do outro. Por exemplo: medo, raiva, tristeza, alegria, nojo e surpresa.

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Já os sentimentos são a interpretação consciente e subjetiva dessas emoções, (que envolve o córtex pré-frontal). São, de fato, mais complexos e profundos. Podem, também, ser prolongados e menos intensos. São independentes e acessíveis apenas à própria pessoa. Por exemplo: o amor, ódio, compaixão e decepção.

Pensamento lógico agindo sobre as emoções no autismo

Mas como os autistas lidam com as emoções? Eu gostaria de dizer que como todo mundo: com altos e baixos, conforme a intensidade dessas emoções. Emoções são como vendavais que parecem surgir do nada e nos tiram o equilíbrio. Independente do nível de suporte, o autista costuma não ser muito bom na questão da auto percepção. Quantas vezes, já me deparei irritada, incomodada (emoções) com alguma coisa e porquê? Para saber, eu aprendi a parar, respirar e tentar avaliar o motivo. Algumas vezes, percebia que o que me incomodava era fome. Eu não sou muito boa em medir o tempo, principalmente quando me entrego a algum hiper foco. Só percebo que tem algo errado quando começo a responder mal a qualquer pessoa ou estímulo.

Outras vezes, porém, a pessoa com a qual eu conversava, falou algo que me remeteu a uma situação ruim, vivida anteriormente por mim. o que gerava minha mudança de humos. Ou seja, embora parecesse que eu estava reagindo à pessoa ou ao que ela dizia, eu reagia a um gatilho de uma lembrança ruim. Quanto mais a pessoa reagia a mim, mais eu me desorganizava e o caos se instalava.

A matemática do pensamento lógico e o autismo

Como fui diagnosticada tardiamente, não recebi alguns estímulos, super necessários ao desenvolvimento saudável de toda a criança. Não sabia diferenciar a emoções ou até mesmo percebê-las no outro. Meodeos! Perdi a conta por quantas situações constrangedoras passei em minhas interações sociais na família, escola, trabalho, com os amigos que tentava fazer. Aliás, até mesmo com meus namorados. Esses coitados, sempre diziam que eu era uma pessoa que lançava uma questão, analisava e tirava a conclusão que podia, ou não, ser favorável a eles (os namorados), que sequer tinham participado desse processo. Eu me sentia confusa e os deixava confusos também.

Como a vida é questão de sobrevivência, eu não estava satisfeita com os resultados colhidos. Daí passei a analisar a situação. Entrevistava pessoas de minha confiança (minha mãe, minha irmã mais velha e uma tia), observava colegas de escola/trabalho e construía minhas estratégias para conviver com aquele bando de malucos. Sorry! Era como eu os via à época. Por que aquelas pessoas dificultavam tanto as coisas? Não eram assertivos nas respostas ou frases, diziam algo, faziam outro, prometiam depois juravam que não haviam prometido. Frequentemente, eu era acusada de só pensar em mim, ser nervosinha, transformar situações simples em complicadas… Resolvi mudar.

A importância de considerar todas as perspectivas

Depois de estudar as pessoas e seus respectivos comportamentos, me tornei até conselheira de muitos colegas. Passaram a me considerar acolhedora, empática, e diziam que eu ia direto ao ponto. Era coerente e observadora, por isso, passaram a gostar de se relacionar comigo. Mas, quase sempre, se essa relação envolvia esse tipo de demanda. Pois caso contrário, eles me consideravam muito densa em tudo. Levei outros bons anos para entender o que isso queria dizer e batalhei para lapidar tal característica.

O fato é que passei a sempre considerar o talvez. Talvez não seja isso. Ou, talvez não seja isso e nem aquilo. Mas, quem sabe, talvez eu não esteja considerando todas as perspectivas da situação. Os problemas de matemática me ajudaram muito nessa tarefa. A primeira coisa que eu fazia era considerar todos os dados de uma determinada situação, verificar se dentro do contexto eles não mudavam de aspecto e depois fazia as operaçãos necessários para chegar ao resultado ‘certo’. Ou pelo menos ao resultado mais adequado.

Portanto, aprendi que ser taxativa e me encher de certezas absolutas (eu as adorava pois me davam segurança) não era conveniente, pois elas viciavam a mente e eu poderia deixar de enxergar um dado importante. Mesmo quando a pessoa dizia alguma coisa com a qual eu não concordava, eu tentava redirecionar o meu olhar. Tive muitos sucessos e alguns fracassos. Afinal, por vezes, a relação ou mesmo a pessoa deflagrava um gatilho em mim e já era. Com o tempo, fui começando a perceber a possibilidade dos gatilhos como se eles tivessem cheiro e passei a evitá-los antes que as crises acontecessem.

E hoje?

Bem, com o diagnóstico, ficou bem mais fácil eu me perceber, me autoconhecer. Daí, as reações passaram a aflorar de maneira menos doída e mais legítima. Mas confesso que ainda não descobri a forma de me relacionar, sem que eu ofereça algo à pessoa, ou seja, sem o senso de utilidade. Eu não cobro isso da pessoa, mas sinto que se não oferecer utilidade, não conseguirei ter as tais relações sociais.

Bobagem, eu sei. Mas ainda estou trabalhando na fórmula de acertar isso, as tais relações sociais. Por exemplo, aprendi que relacionamentos não acontecem entre você e muitas pessoas a um só tempo. Exceto, nas palestras, consultorias, treinamentos e redes sociais. Mas aí não vale, já que estou no centro do discurso e dependo muito mais de mim do que do outro para gerar interações.

Sei que na vida a relação de reciprocidade é necessária. Não como troca. Isso por aquilo. Não. Acontece assim: para receber afeto, é preciso ser afetivo. Para conquistar a confiança de alguém, é preciso ser alguém confiável. Para compreender o outro, você precisa se autoconhecer primeiro. Assim, fica mais fácil lidar com as muitas variáveis que envolvem os relacionamentos humanos.

Como me sinto?

Na construção dessa fórmula, (desconfio que essa tal construção não tem linha de chegada), pois em, na construção do relacionamento humano, o senso de utilidade não é premissa básica. Pode acontecer ou não. Descobri isso, quando despertei para a minha leveza, em como me divirto na troca com o outro, em como é bom fazer coisas que gosto acompanhada. Percebi que essa presença pode ser boa porque há leveza, transparência, bom humor, admiração. Nade do “tem que”. Tem que nada. Se no meio do caminho surge a dúvida é só sinalizar e tudo se esclarece. Não dá para esclarecer, num relacionamento sadio, somente aquilo que não é dito ou compartilhado.

Dito assim, até parece fácil. . Mas não é e nunca não foi. Eu levei muito tempo para relacionar o pensamento lógico e o autismo e sentir o que sinto agora: o gosto bom da troca natural, do despertar para a riqueza do outro, de como é boa autenticidade e como ela nos faz bem. E ainda, há muitas pessoas maravilhosas. A maioria, pasmem, eu ouso dizer. Mais, certamente, sem admiração, autenticidade, diálogo e bom humor não dá. A gente compromete o processo. E eu não quero isso. Portanto, vou aplicando minhas fórmulas, errando, corrigindo rumos acertando e seguindo. É assim que eu me divirto. Sendo feliz!

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Jornalista e relações públicas, diagnosticada com autismo, autora dos livros "Minha Vida de Trás pra Frente", "Dez Anos Depois", "Camaleônicos" e "Autismo no Feminino", mantém o site "O Mundo Autista" no Portal UAI e o canal do YouTube "Mundo Autista".

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