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Por Profª Cláudia Moraes, autista diagnosticada aos 56 anos
Em relação ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), muito se tem falado no país sobre o diagnóstico precoce, a inclusão escolar, as terapêuticas e as metodologias que envolvem crianças. Falar sobre adultos é muito esporádico, falar de mulheres adultas mais esporádico ainda.
Até nas práticas baseadas em evidências se fala pouco sobre mulheres, e é natural pensarmos que pouca prevenção para a saúde mental desse público tem sido feita, ignorando-se fatores importantes como a alta taxa de suicídio e as condições associadas como ansiedade, depressão, automutilação, fibromialgia, entre outras.
Segundo o estudo “Morte por Suicídio entre Pessoas com Autismo: Para além do Zebrafish”, as taxas de suicídio em moças e mulheres (que tenham outros diagnósticos psiquiátricos, como ansiedade e transtornos do humor)são devastadoramente maiores do que em rapazes e homens.
Alguns fatores são apontados como risco para saúde mental das autistas, o que me leva a refletir: com a dificuldade dos profissionais para diagnosticarem mulheres, e que ainda apresentem outros transtornos, pode-se ver como resultado os riscos serem desapercebidos ocasionando maus diagnósticos, falta de intervenções ou até mesmo não diagnósticos.
A expectativa social que se cria para que as autistas mascarem estereotipias e stimming (stimming ou stim são movimentos corporais repetitivos que autoestimulam um ou mais sentidos de maneira regulada), agindo assim como se fossem típicas, é o maior fator de risco para a saúde mental dessas mulheres, pois isso gera ansiedade e diminuição de autoestima. Desrespeita-se, assim, um dos principais déficits do autismo que é de interação social e também as individualidades dos sujeitos.
A parte feminina do autismo é mais afetada por condições como Ansiedade, Depressão e Transtornos Alimentares, além de maior propensão a demonstrarem sofrimento psicológico, o que também podemos relacionar ao diagnóstico tardio. Os critérios diagnósticos para homens são mais claros, o que facilita que recebam seus laudos mais precocemente.
Outro fator importante a ser observado é que quanto mais tardio o diagnóstico, maiores são as propensões apresentadas para o suicídio. Se no Brasil ainda não falamos de autismo em mulheres adultas, o que sabemos do autismo em mulheres idosas?
Mulheres autistas desenvolvem algo que é chamado masking (mascaramento ou camuflagem) devido à maior pressão recebida de familiares e entorno para que sejam mais hábeis nas interações sociais. Então, para que consigam lidar com as pressões e tentar ser aceitas, elas mascaram os sintomas do autismo o que, ao longo do tempo, torna-se uma bomba pronta a explodir, cujo resultado é o aparecimento e agravamento de processos dolorosos mentais e físicos como fibromialgia, depressão, mutilações…
Não só no caso de profissionais de saúde, mas também daqueles que convivem com autistas, é bom observarem comportamentos que podem indicar pensamentos suicidas, não negar o que diz a pessoa, demonstrar empatia, e levar a sério qualquer relato desse tipo.
Também dentro da saúde mental das mulheres autistas, quero salientar que tanto a família, amigos, colegas de trabalho esperam que elas se adaptem e não o contrário, que se aumentam a pressão já vivida e as expectativas que se espera de que acertem sempre. Adaptações deveriam vir de forma empática, e não esperar que apenas a pessoa autista dê conta de tudo o que se espera dela, sem que isso lhe cause maiores sofrimentos.
A inclusão é muito citada em belos discursos, mas no geral não se dá conta que, para que ela se torne real é preciso flexibilização e adaptações “com” e “para” as pessoas autistas. Que os neurotípicosinseridos nesse processo não se eximam de suas responsabilidades com a desculpa de que o autismo delas é “levinho”.
Se você convive com uma mulher autista, recorde-se do que foi dito acima e utilize-se de maior sensibilidade com quem nos estudos se mostra o público mais afetado e vulnerável.
REFERÊNCIAS:
Death by Suicide Among People With Autism: Beyond Zebrafish
Mikle South, PhD1; Andreia P. Costa, PhD2; Carly McMorris, PhD3
Author Affiliations Article Information
JAMA Netw Open. 2021;4(1):e2034018. doi:10.1001/jamanetworkopen.2020.34018
On-line: https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2774853