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Há alguns anos conheci a Flávia Najar Gusmão Pacheco, de 48 anos, mãe do João e da Maria Clara. Atendi o João, que é autista, por algumas vezes e nos despedimos. Ele começaria outro tipo de atendimento.
Anos depois, nos encontramos no Ciclos, com oficinas de atendimento de artes, teatro e música para autistas adolescentes da Unifesp, coordenado pela Daniela Bordini.
Flávia seria a coordenadora das oficinas de artes e, ao reencontrá-la pessoalmente, conheci o trabalho que vinha gestando e realizando durante a pandemia de 2020: a Cog Life Arts.
Durante a pandemia, afastada de sua vida profissional, aliás de muito sucesso, pode “ouvir” seu filho com mais atenção. João vinha de uma vida acadêmica com muitas adaptações e bastante dificuldade em se inserir na vida on-line escolar, como muitos jovens.
João adora o cantor Freddie Mercury. Faz desenhos cada vez mais elaborados, inclusive os figurinos dos shows. Flávia fez uma matemática bem simples: listou o que ele era bom e listou o que ela era boa; buscou intersecções e… nascia a Cog Life Arts.
João teria seus desenhos estampados em camisetas, sacolas, e apostou na reconstrução de sua autoestima. Bingo. Apenas como um exemplo do processo como um todo — claro que nada acontece da noite para o dia —, hoje a única matéria que João precisa de adaptação é matemática. Ele é assertivo e dialógico até nas conversas e exposição de suas opiniões. “Mãe, não gosto de judô. Mas João, o que você vai fazer então? Ué, me coloca num curso de dança”. Apaixonado que é por Michael Jackson, faz apresentações solo na escola e tem uma turma de amigos.
Para além das artes, Flávia ouviu o hiperfoco de seu filho. Deu escuta e espaço para a criação e transformação e, acrescentou mais 30 artistas autistas ao acervo da Cog Life Arts.
Por ocasião dos 30 anos da minha clínica, o Centro de Convivência Movimento, Flávia me ajudou na construção do que seria o presente que daríamos aos nossos clientes, valorizando a arte da artista plástica Jessye Blue, e a foto está ai para verem a beleza.
Ainda em 2022, Flávia e uma parceira, lançaram o Seminário Internacional TEArteiro com a proposta de disseminar as boas práticas das artes no desenvolvimento de habilidades e inserção de artistas com TEA no mercado de trabalho.
Flávia coordenou a primeira oficina em parceria com o Sesc /Unifesp TEAMM para o publico autista. Sobre a oficina já contei um pouco aqui e, para quem não leu, vale a leitura para complementar as reflexões sobre hiperfoco e ouvir os autistas. A oficina é, sem dúvida, um trabalho primoroso de escuta e respeito.
Durante esses anos todos de trabalho, dialogando com pessoas ‘riquíssimas’ em ideias, vontades, garra, me deparo com a máxima de que a escuta é muito mais do que podemos imaginar. A escuta é a legitimidade do outro como outro na relação. É o reconhecimento da existência e importância do outro na relação.
Não vamos nos esquecer de que sim, o autista tem voz. Precisamos ouvi-los.
Obrigada Flávia pela conversa e por termos deixado nossos portas abertas para tantas outras trocas que pudemos ter nesses últimos dois anos.