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Mais um presente do meu cérebro neurodivergente
Eu nasci no dia 17 de setembro de 1963. Em 2016, no dia 16 de novembro, eu recebia o diagnóstico de que estava dentro do transtorno do espectro do autismo – TEA. E então, sessenta anos, comemoro ou escondo?
Eu comemoro. Desde 2016, quando tive conhecimento de meu cérebro autista. Certamente que, longe da romantização do autismo, eu agradeço a oportunidade de acesso ao autoconhecimento. À descoberta de que características que me limitavam, que me faziam sofrer não eram uma opção: “ela é melindrosa.” “ela é nervosa demais.” “que menina estranha…” Características que eram sim, a forma de expressão para uma inadequação que me fazia sofrer.
Ao longo de minha vida, percebo que duas emoções foram (e de certa forma, ainda são) constantes: a necessidade de ser acolhida em minha fala, de ser ouvida, e a solidão. Uma solidão persistente que não dependia de estar ao não, cercada de pessoas. Eu sempre estava sozinha.
Hoje não mais. Eu, aos poucos, aprendo a lidar com minha falta de traquejo social. Não necessito trabalhar em estratégias incessantemente, para esse ou aquele evento. Esse ou aquele grupo. Posso tentar encontrar o equilíbrio e ser a pessoa que sou. E sinalizar para quem estiver à minha volta. Sem cobranças, sem imposições.
Seja bem-vinda neurodivergência
Sessenta anos, comemoro ou escondo? Minha expressão é a comemoração. Alcancei o direito à minha identidade e seguindo o lema da bandeira de meu estado de Minas Gerais, agradeço o diagnóstico, mesmo que tardio. “Libertas quae será tamen” – Liberdade ainda que tardia.
Alguns, depois dos cumprimentos (reuni meus tios e 4 amigos), me perguntaram: “Você se sente com 60 anos? É tão estranho!” Não para mim, respondia. Graças à lógica de meu cérebro, sei que o tempo é uma invenção das civilizações. Se eu estivesse na China, deveria me sentir 1 ano mais velha? Ou devo começar a caminhar pelo funil que me levará à morte, inexoravelmente? Ah, tudo são escolhas. Eu opto pela vida, pelo viço que me revisita toda a manhã, em meu tempo presente.
Eu possuo o mesmo tempo de um bebê de 9 meses. O que ele fizer, a gracinha que aprende, o contato com a mamãe, tudo será realizado hoje, no presente. Aliás, esse poder do ‘aqui e agora’, o tempo real, é expresso em nossa língua portuguesa, com o tempo verbal, presente do indicativo. Esse tempo é utilizado para falar de uma ação que ocorre no momento da fala ou no momento da ação perfeita. O meu tempo e o tempo do bebê de 9 meses, sob essa perspectiva é exatamente o mesmo.
Então, como me sinto aos 60 anos, é o que realmente importa e é o que está sob o meu controle. Depois do diagnóstico, eu passei a investir efetivamente em minha vida. Ela, necessariamente, tem se ajustado única e exclusivamente a mim. É pessoal e intransferível.
Se eu disser a você que tenho 60 anos, mesmo que me considere com aparência de 45, a tendência será tentar me enquadrar na idade “real”. E se eu disser que tenho 70, mesmo que não parecer, a tendência será me enquadrar no senso comum sobre uma pessoa aos 70.
Eu não preciso de nada disso. Sei que a noção de tempo é relativa. Aos sessenta anos, dou “Gracias a la vida, que me ha dado tanto.” Todas as escolhas que fiz e faço, agora que sei de minhas limitações e habilidades, são feitas para me deixar confortável no aqui e agora. Para ser feliz e colaborar com a felicidade do outro.
Portanto, um brinde à vida, que tem me dado tanto, com suas contradições, Afinal, como gosto de lembrar, é a diferença, são as contradições que nos convidam à criatividade. E é a criatividade que nos move e nos leva a pensar em alternativas. Alternativas maiores e melhores. Tim…Tim… Viva!