29 de setembro de 2022

Tempo de Leitura: 2 minutos

Quem me conhece sabe que sou o tipo de terapeuta que não acredita na neutralidade. Como um observador de sistemas, sigo a premissa da ciência que confirma que apenas a presença de algo ou alguém já é suficiente para modificar um sistema.  Assim, dentro dessa teoria de dialogismos e observadores modificantes, não costumo esconder dores e perdas.

Recentemente perdi minha mãe. Como esconder tamanha dor? Envio uma mensagem aos meus clientes e, com tranquilidade relato a necessidade de meu afastamento e o motivo.

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Matraquinha

Muitas foram as mensagens de coragem e carinho, mas uma em especial me fez pensar e ter vontade de dividir com vocês, leitores.

Entendo, meus pêsames… eu espero o quanto for preciso pra sua volta.”

Ele é autista e tem 16 anos. Idade dos amores e desamores; idade das festas que tenta ir, das rodas de conversa que tenta se inserir e das viagens com os colegas que se dispõe a ir. Ele sofre de crises de ansiedade que chegam a lhe faltar o ar. Me liga fora de hora e chora suas dores. Não abre a câmera do Discord e nem sempre vem às sessões. É um garoto de ouro. Fala verdades, relata segredos e busca freneticamente sua independência e autonomia. Não queria terapia. Dizia não precisar e que em nada mudaria sua vida. Odiava o autismo. Hoje tem RG com CID e bilhete único para PcD. Envia mensagens de WhatsApp como “chegou!!! Depois de 2 meses tenho meu bilhete único”.

Um jovem fascinante. Um jovem que muitos adultos o acham egoísta e nada empático.

Um jovem que “merece um enquadre” na voz de alguns.

Tenho para mim que enquadres também devem ser feitos de acordo com as necessidades de seus envolvidos. Os vínculos são feitos pelo que há de melhor em cada um e para descobrirmos isso, precisamos conhecer, compreender e sim, abrir exceções.

Quando alguém lhe diz: “eu espero o quanto for preciso pra sua volta”, é alguém que está realmente dentro do processo; é alguém que compreende sua necessidade de afastamento e sabe que pode esperar porque confiança no trabalho que realizam juntos. É alguém com empatia o suficiente para lhe dar espaço e silêncio e que está à sua espera.

Acho que a mensagem que desejo deixar hoje é que julgamentos de acordo com nossas crenças de certo e errado nos faz entender muito pouco do que não conhecemos.

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

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