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Os benefícios das intervenções precoces no desfecho dos pacientes diagnosticados com TEA são amplamente conhecidos e discutidos (1). Intervenções iniciadas ainda no primeiro ano de vida levam a ganhos de cognição e de linguagem significativos até 3 anos de idade (2). Atualmente, sabemos que os tratamentos podem ser iniciados antes da conclusão do processo investigativo, mas ter um diagnóstico fechado torna o acesso às terapias mais fácil. Além disso, o ideal é que a investigação seja específica para a idade em que a criança se encontra e, até o momento, são poucos os instrumentos disponíveis para o rastreio do TEA para faixas etárias menores de 36 meses, por exemplo.
Mundialmente, a gama de ferramentas de rastreamento do TEA é mais extensa, porém, grande parte das escalas que vêm sendo utilizadas são desenvolvidas fora do Brasil ou, ainda, em outros idiomas que não o português (3). Além disso, é importante salientar que algumas dessas escalas são pagas e não têm ampla divulgação e utilização dentro do país.
Alguns instrumentos já passaram por processos de tradução e/ou validação. Questionários disponíveis atualmente, como o M-CHAT-R/F, CARS e ASQ, podem ajudar a identificar precocemente casos suspeitos que necessitam de avaliações diagnósticas mais aprofundadas. Porém, na maioria das vezes, apenas um instrumento não é o suficiente para esta investigação diagnóstica. É possível que com uma maior oferta de recursos gratuitos no Brasil, em ampla escala, o rastreamento e a realização diagnóstica mais precisa e precoce do TEA aumentariam.
Um projeto de pesquisa realizado por equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o Instituto Priorit, Universidade de Iowa, e a Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, busca trazer para o Brasil um novo instrumento de rastreio para pacientes com suspeita de TEA, de até 36 meses: o Telehealth-Autism Spectrum Disorder-Pediatrics (TELE-ASD-PED). Entre tantos objetivos, o projeto visa a validação desse instrumento para o português, bem como a capacitação de profissionais da área e a sua disponibilização com isenção de royalties.
O TAP, como é conhecido, é uma ferramenta desenvolvida para a avaliação de crianças menores de 36 meses com suspeita de autismo. A aplicação desse instrumento pode ser feita de forma presencial ou online, onde o profissional orienta os pais em várias atividades básicas com seu filho, de forma que possíveis sinais de TEA possam ser detectados. Assim, também pode reduzir os altos custos financeiros atrelados a outras avaliações consideradas padrão-ouro na literatura internacional para diagnóstico do TEA. Através de uma capacitação específica, profissionais de saúde com experiência na área do TEA poderão realizar a aplicação do TAP – esta não é uma ferramenta exclusiva para médicos e psicólogos. A aplicação dura em torno de 30 minutos e, além da capacitação para os profissionais, há um material exclusivo aos responsáveis que irão participar do momento com a criança, onde eles recebem instruções específicas de como organizar o ambiente e se preparar para o momento da avaliação.
Devido à possibilidade de aplicação presencial e online, é possível investigar, através dessa ferramenta, crianças ainda muito pequenas sem acesso a serviços de saúde adequados para a avaliação. Os serviços de saúde online são aliados na missão de levar o acesso à saúde até populações que vivem em áreas rurais e têm dificuldade para chegar até o atendimento presencial (4).
A disponibilidade de instrumentos de rastreio e diagnóstico, bem como de profissionais capacitados, para um país com dimensões continentais como o Brasil, é de extrema importância. Isso contribui para que o processo de avaliação siga pré-requisitos básicos de atendimento desses pacientes e suas famílias, garantindo diagnósticos mais precisos e, consequentemente, um melhor direcionamento do processo terapêutico. A importância dessa modalidade pode ser demonstrada levando-se em consideração que há uma grande faixa da população de países em desenvolvimento vivendo em zonas rurais (5). Isto reflete diretamente no diagnóstico do TEA nessas populações, que tende a ser mais custoso e tardio se comparado às zonas urbanas (6).
Para saber mais informações sobre nosso Projeto de Pesquisa, entre em contato através do email [email protected].
Quadro M-CHAT, ASQ, CARS
M-CHAT-R/F | Seu uso está bem estabelecido como ferramenta de rastreamento para o TEA no Brasil. O questionário consiste em 23 perguntas do tipo sim/não, formuladas para identificar sinais precoces do transtorno, e pode ser preenchido por pais ou cuidadores de crianças de 16 a 30 meses de idade. |
CARS | É uma escala de 15 itens que auxilia na identificação de crianças acima de 2 anos com TEA e as distingue de crianças com prejuízos do desenvolvimento sem TEA, sendo capaz também de diferenciar os casos leves-moderados dos graves. |
ASQ | É um questionário auto-aplicável, devendo ser preenchido pelos pais ou responsáveis pelo paciente, que é dividido em 40 questões do tipo sim/não que percorrem todo o desenvolvimento e hábitos de vida dos pacientes da infância até os dias atuais, no que diz respeito à sociabilidade, linguagem e comportamento |
Lista de Instrumentos traduzidos e/ou validados para uso no Brasil.*
Instrumento | Referência | Link |
Escala de Avaliação de Traços Autísticos, ATA | Assumpção FB, Kuczynski E, Gabriel MR, Rocca CC. Escala de Avaliação de Traços Autísticos (ATA): Validade e Confiabilidade de Uma Escala Para a Detecção de Condutas Autísticas. Arq. Neuro-Psiquiatr. 1999;57:23-29. | https://doi.org/10.1590/S0004-282X1999000100005 |
Inventário de Comportamentos Autísticos, ABC | Marteleto M, Pedromônico M. Validity of Autism Behavior Checklist (ABC): preliminary study. Braz. J. Psychiatry. 2005;27:295-301.
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https://doi.org/10.1590/S1516-44462005000400008 |
Modified Checklist for Autism in Toddlers, Revised with Follow-Up, M-CHAT-R/F | Losapio, M. F., Siquara, G. M., Lampreia, C., Lázaro, C. P., & Pondé, M. P.. (2023). Translation into Brazilian Portuguese and validation of the M-CHAT-R/F scale for early screening of autism spectrum disorder. Revista Paulista De Pediatria, 41, e2021262. | https://doi.org/10.1590/1984-0462/2023/41/2021262 |
Autism Screening Questionnaire, ASQ | Sato FP, Paula CS, Lowenthal R, Nakano EY, Brunoni D, Schwartzman JS, et al. Instrument to screen cases of pervasive developmental disorder: a preliminary indication of validity. Braz. J. Psychiatry. 2009;31:30-33. | https://doi.org/10.1590/S1516-44462009000100008 |
Escala de Responsividade Social -2, SRS-2 | Barbosa IG, Rodrigues DH, Rocha NP, Simões-e-Silva AC, Teixeira AL, Kummer A. Propriedades psicométricas da Escala de Responsividade Social-2 para Transtornos do Espectro Autista. Braz. J. Psychiatry. 2015;64:230-37. | https://doi.org/10.1590/0047-2085000000083 |
Childhood Autism Rating Scale, CARS | Pereira A, Riesgo RS, Wagner MB. Autismo infantil: tradução e validação da Childhood Autism Rating Scale para uso no Brasil. J. Pediatr. 2008;84:487-94. | https://doi.org/10.1590/S0021-75572008000700004 |
Autism Diagnostic Interview-Revised, ADI-R | Becker MM, Wagner MB, Bosa CA, Schmidt C, Longo D, Papaleo C, et al. Translation and validation of Autism Diagnostic Interview-Revised (ADI-R) for autism diagnosis in Brazil. Arq. Neuro-Psiquiatr. 2012;70:185-90. | https://doi.org/10.1590/S0004-282X2012000300006 |
Autism Diagnostic Observation Schedule, ADOS-2 | Pacífico MC, de Paula CS, Namur VS, Lowenthal R, Bosa CA, Teixeira MCTV. Preliminary evidence of the validity process of the Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS): translation, cross-cultural adaptation and semantic equivalence of the Brazilian Portuguese version. Trends Psychiatry Psychother. 2019;41:218-26. | https://doi.org/10.1590/2237-6089-2018-0063 |
*Equipe de Pesquisa: Ana Clara Saul, Kamila Castro, Rudimar Riesgo, Marcio Leyser, Caitlin Elizabeth Stone, Liliana Wagner, Jeffrey Frank Hine, Laura Lynn Corona, Zachary Eli Warren.
Kamila Castro Grokoski é pesquisadora da neuropediatra do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), coordenadora do departamento de pesquisa do Instituto Priorit.
Ana Clara Bernardi é médica neuropediatra, mestranda em pediatria.
Referências
- 1 – FRENCH, L. KENNEDY, E.M.M. Research Review: Early intervention for infants and young children with, or at-risk of, autism spectrum disorder: a systematic review. J Child Psychol Psychiatry, v. 59, n. 4, p. 444-56, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1111/jcpp.12828
- 2 – BROOKS-GUNN, J. LIAW, F. KLEBANOV, P.K. Effects of early intervention on cognitive function of low birth weight preterm infants. J Pediatr, v. 120, n. 3, p. 350-9, 1992. Disponível em: https://doi.org/10.1016/s0022-3476(05)80896-0
- 3 – DIAS, A.C.V.M. Diagnostic Practices of Autism Spectrum Disorders in Brazil. Tese (mestrado), Andrews University, p. 88, 2016. Disponível em: https://dx.doi.org/10.32597/theses/79/
- 4 – SPEYER, R. et al. Effects of telehealth by allied health professionals and nurses in rural and remote areas: A systematic review and meta-analysis. J Rehabil Med, v. 50, n.3, p; 225-35, 2018 Disponível em: https://doi.org/10.2340/16501977-2297
- 5 – SCHEIL-ADLUNG, X. Global evidence on inequities in rural health protection: New data on rural deficits in health coverage for 174 countries. International Labour Organization, n. 47, 2015. Disponível em: https://www.ilo.org/publications/global-evidence-inequities-rural-health-protection-new-data-rural-deficits. Acesso em: 19.abr.2024.
6 – ANTEZANA, L. et al. Rural Trends in Diagnosis and Services for Autism Spectrum Disorder. Front. Psychol., v. 8:590, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fpsyg.2017.00590