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Repensando a teoria de que temos mais empatia por quem é parecido com a gente
Dupla empatia é a expressão criada em 2012 pelo sociólogo Damian Milton, pai de autista e também autista, que deu título à teoria de que pessoas que têm identidades e estilos de comunicação muito diferentes umas das outras — o que geralmente é o caso de pessoas autistas e não autistas — podem achar mais difícil ter empatia umas com as outras. Essa dificuldade bidirecional é o que eles querem dizer com o problema da dupla empatia. Desde então, essa teoria tem sido largamente referida nas comunidades internacionais de autismo. Segundo seus adeptos, a teoria tem o potencial de explicar por que pessoas diferentes lutam para ter empatia umas com as outras, potencialmente levando a problemas pessoais e sociais, de saúde mental ruim a tensões entre grupos e racismo sistêmico. No entanto, recentes pesquisas e análises sugerem que a teoria da dupla empatia tem muitas falhas, como o fato de ter-se concentrado estreitamente nas dificuldades sociais do autismo sem considerar outros fatores de identidade social que afetam a empatia entre diferentes grupos, como o gênero, por exemplo.
Alguns dizem que a pesquisa que deu origem à teoria da dupla empatia baseou-se fortemente em relatos subjetivos das experiências das pessoas, sem considerar a avaliação por especialistas. O achado mais contundente para repensar essa teoria fala que ser semelhante em identidade a outras pessoas não significa, necessariamente, que o indivíduo tenha mais empatia por elas. Essa é uma questão importante que precisa de bastante atenção, já que a teoria da dupla empatia está sendo colocada em prática há 10 anos
No Brasil, autistas blogueiros, que se autorrepresentam, vêm confirmando a teoria sem que haja (ainda) uma evidência científica para tal. Alguns pesquisadores e médicos afirmam que, por haver um problema de dupla empatia, os profissionais de saúde geralmente são incapazes de entender seus pacientes com dificuldades sociais. Porém, não há evidências confiáveis para isso, o que pede por mais pesquisas no campo da neurociência da interação social. Esperamos que as tecnologias de imagem cerebral — a digitalização de vários cérebros humanos ao mesmo tempo — ajudem a esclarecer como os cérebros de diferentes pessoas interagem entre si. Essa é uma técnica que pode ser usada para testar como a semelhança entre as pessoas que interagem pode influenciar sua atividade cerebral.
Usado ao lado da inteligência artificial, este processo inovador significaria uma grande conquista para o futuro. Podemos imaginar máquinas desenvolvendo empatia com os seres humanos, vendo se eles interpretam com precisão nossas ondas cerebrais — um imenso breakthrough neurocientífico que serviria como ferramenta na aquisição ou aprimoramento de habilidades sociais.
Mais tolerância onde há convivência
A maior parte das pessoas que vivem nas grandes cidades e, portanto, têm maior contato social com a diversidade, tende a ser mais tolerante com aqueles que são diferentes deles do que as pessoas que vivem em lugares socialmente homogêneos. Esses indivíduos estão mais propensos a compreenderem-se, apesar de suas diferenças básicas — etnia e cultura, por exemplo —, percebendo a si mesmos e aos outros como pertencentes à mesma comunidade local, e parecem ser melhores em considerar a perspectiva dos outros.
Os últimos achados que desafiam a teoria da dupla empatia explicam que passar tempo com pessoas de outras origens sociais e culturais pode nos fazer colocar menos ênfase nas diferenças — e descobrir um terreno comum em outras áreas, ou seja, interagir com pessoas que são diferentes de nós talvez possa aumentar nossa empatia — algo que a teoria da dupla empatia não prevê. Em última análise, a empatia não se deve apenas à nossa capacidade de entender alguém através de sua semelhança, contestando a base da teoria da dupla empatia. Em outras palavras, os pesquisadores acreditam que deveríamos entender melhor o conceito de empatia e enfatizar o fato de que interações sociais diversas podem propiciar o surgimento da empatia, contrariando a teoria.
No contexto do transtorno do espectro do autismo, pessoas autistas e pessoas neurotípicas com seus respectivos processos de neurodesenvolvimento distintos, a princípio poderiam ser semelhantes de outras maneiras, não necessariamente em razão da sua natureza (autista-não autista). Mais importante seria analisar seus valores, normas, preferências, hobbies, enfim, seus interesses em comum.
Algum preconceito poderia estar escondido sob a determinação da dupla empatia como definição da falta de sucesso na interação social de grupos heterogêneos.
O que pouco tem sido analisado é o fato de que pessoas de origens semelhantes nem sempre se entendem. A própria comunidade do autismo tem diversos subgrupos divergentes dentro da sua neurodivergência — idem dito com pessoas não autistas.
Estudo científico promissor
Os autores do estudo desenvolvido no Reino Unido — Luca Hargitay, Lucy Anne Livingstone e Punit Shah — por fim afirmam, em seu artigo original, que “a teoria da dupla empatia pode não ser a melhor maneira de progredir, mas pode servir como um trampolim para pesquisas futuras para responder a esta e outras perguntas. Poderíamos realmente aproveitar a ciência social da empatia para entender essas questões sociais incrivelmente complexas. Isso pode, em última análise, reduzir o conflito social e melhorar a coesão social — mas devemos obter pesquisas no caminho certo para alcançar esse potencial.”
Conclui-se que a interação social e a empatia são bem mais complexas do que a teoria da dupla empatia apresenta ao colocar o foco no autismo em detrimento de outros fatores de identidade social.
Artigo adaptado do original por: Luca Hargitai, Lucy Anne Livingston, and Punit Shah, disponível em: https://psycnet.apa.org/fulltext/2024-87123-001.html
Fonte: The Conversation, Neuroscience News (online), 09.jun.2024. Estudo: