1 de dezembro de 2023

Tempo de Leitura: 4 minutos

Desde 2018, estudos têm se direcionado para questões de gênero e orientação sexual de pessoas autistas. Por algum tempo, até o CID 11 mais precisamente, a transgeneridade era vista como uma patologia e, em se tratando de autistas, uma possível ideação advinda do próprio autismo. A resposta de alguns autores para essa explicação é: capacitismo e transfobia.

Segundo a jornalista, autista e transgênero Sofia Mendonça, há pesquisas robustas que indicam que a transgeneridade é 8 vezes maior na população autista.

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Diante de um tema tão importante e delicado, solicitamos uma entrevista à Dra. Danielle Herszenhorn Admoni, membro da equipe do Núcleo TransUnifesp (NTU)  – Núcleo de Estudos, Pesquisa, Extensão e Assistência à Pessoa Trans Professor Roberto Farina. O ambulatório atua pelo SUS em equipe multi e transdisciplinar em total atendimento à saúde da pessoa trans por uma perspectiva não patologizante e inclusiva da condição trans. Além da assistência, os grupos de estudo, pesquisa e extensão ampliam cada vez mais a atenção inclusiva à pessoa trans.

A equipe do NTU conta com cirurgiões, endocrinologistas, ginecologistas, psicólogos, fonoaudiólogos, psiquiatras, urologistas, nutricionistas, médico de família, dermatologista e otorrinolaringologista, formando uma equipe transdisciplinar para o atendimento da pessoa trans como um todo para questões simples como uma unha encravada, até mesmo para o encaminhamento para a cirurgia urogenital ou cirurgia de redesignação de gênero. Cabe ressaltar que a equipe pode sofrer alterações em suas especialidades anualmente. 

Para iniciarmos esse diálogo é importante entender: 

Incongruência de gênero: quando a pessoa não se identifica com o gênero que lhe foi designado ao nascer. A não identificação com o gênero biológico já define a pessoa como uma pessoa trans. Isso não quer dizer que ela precise mudar sua aparência; e como no autismo, a transgeneridade também é vista como um espectro, variando em suas necessidades e tipos de acompanhamento. Também como no autismo, o espectro trans não é linear, sem um padrão que o coloque em caixinhas de hierarquias.

Disforia de gênero: aqui entramos em um cenário mais complexo; os manuais de psiquiatria costumavam colocar incongruência e disforia como uma coisa única. Isso já não existe mais. E, quando falamos de disforia, falamos sim de uma doença mental. E se define com um desconforto muito grande com a incongruência. Quando se fala em disforia, falamos de um sofrimento que pode paralisar a vida e/ou tornar a incongruência como o principal fator das coisas não caminharem na vida da pessoa. “Aqui falamos de algo que precisa ser tratado”, enfatiza Dra. Admoni.  A disforia é uma patologia pelo desconforto e não pela incongruência de gênero.

Corroborando com os dados trazidos por Sofia Mendonça, embora sem uma métrica para os números do NTU, a Dra. Danielle afirma que há uma incidência significativa de autistas transgêneros que buscam pelo serviço. Em sua grande maioria, recebem o diagnóstico de autismo no ambulatório. Ou seja, adultos autistas, sem saberem de seu autismo, chegam ao ambulatório com incongruência de gênero e, algumas vezes, tal incongruência é fluida. Cabe ressaltar e incluir a discussão feita por Sofia Mendonça, de que autistas trans são negligenciados pelos profissionais da saúde, seja pela incongruência de gênero, seja pelo autismo em adultos. A boa notícia é que profissionais como a Dra. Danielle no NTU estão mudando essa história.

O que pode ser um ponto relevante para os atendimentos, está relacionado com a rigidez de pensamento de alguns autistas. Em outras palavras, quanto mais a sociedade afirmar que carrinho é para meninos e bonecas para meninas ou, esmalte é para meninas e bermuda para meninos, oferecemos códigos sociais que podem ser lidos e compreendidos como regras que ditam a normatividade de gênero. Gostar ou não de esmaltes na unha não define gênero, informação de extrema importância nos tempos atuais e para pessoas mais rígidas de pensamento. 

As regras sociais de gênero podem ser extremamente conflitantes para uma pessoa autista: se gosto de esmalte, sendo homem, então sou mulher; ou pior ainda, não posso gostar de esmalte sendo homem. Esses conflitos retardam a busca por ajuda e, mascaram como doença algo que não precisa ser ‘tratado’. A questão social na representação de gênero aumenta a confusão acerca da incongruência e disforia.

 

CONTEÚDO EXTRA

O ambulatório do Núcleo TransUnifesp atende pessoas maiores de 18 anos encaminhadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O público interessado devem buscar uma das Unidades Básicas de Saúde (UBS) na sua região e apresentar suas demandas.

Por uma sociedade menos transfóbica e por um sistema de saúde menos negligente. 

Segundo a escala de desenvolvimento de Tanner,  criada em 1962, pelo médico inglês J.M. Tanner, o encaminhamento para o processo de transição se dá da seguinte forma:

– Crianças não recebem tratamento, mas precisam ser ouvidas.

– T2 – puberdade – pode haver um bloqueio de hormônios que impede o desenvolvimento das características sexuais secundárias. O mesmo bloqueio que ocorre para retardar a menarca (nome dado à primeira menstruação da mulher e/ou para tratamento de crescimento. O bloqueio é 100% reversível, ou seja, ao cessar o bloqueio, o desenvolvimento retoma sua atividade natural.

– Hormonização cruzada –  para maiores de 18 anos, apenas adultos recebem essa indicação no NTU. A hormonização cruzada é o recebimento de hormônios do sexo biológico oposto ao designado pelo nascimento. Atualmente há uma estimativa de espera de 1 ano para o procedimento.

– Cirurgia de redesignação de gênero – apenas adultos são encaminhados e para isso é necessário um relatório de pelo menos 2 anos de acompanhamento multidisciplinar. A estimativa de espera é de 10 anos.

Sobre o NTU

Como fazer para ter atendimento no Ambulatório do Núcleo TransUnifesp?

Nós, da equipe do ambulatório do Núcleo TransUnifesp, somente atendemos pessoas usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), maiores de 18 anos, e depois do encaminhamento via Central de Regulação de Ofertas e Serviços de Saúde (CROSS) do SUS.

Recomendamos que você busque uma das Unidades Básicas de Saúde (UBS) de sua região de domicílio e apresente suas demandas de saúde.

A partir do atendimento na UBS da sua região, você poderá ter indicação para uma UBS que ofereça hormonização, quando desejada, ou encaminhamento para um centro especializado.

UBS que oferecem hormonização:

Para abrir o arquivo em PDF – Clique aqui 

Você pode também buscar o Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais (Ambulatório TT) do Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS (CRT). Antes de ir ao local, ligar para o número 5087-9984 ou fazer contato pelo e-mail: [email protected]. Rua Santa Cruz, 81 – Vila Mariana – São Paulo – SP. Metrô Santa Cruz.

Depois do agendamento pela CROSS/SUS, você irá se dirigir ao nosso ambulatório somente na data e horário informados, para acolhimento e definição do plano de atendimento.”

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

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