1 de março de 2021

Tempo de Leitura: 4 minutos

Nas próximas edições, esta coluna terá a participação de alguns profissionais que considero referências no tema da diversidade e inclusão no mercado de trabalho brasileiro. 

Meu amigo Flávio Gonzalez é psicólogo com mais de 20 anos de experiência na inclusão profissional de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, e, em minha opinião, é uma das principais referências em Emprego Apoiado no Brasil.

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Hoje, Flávio é executivo no Instituto Jô Clemente, antiga APAE de São Paulo.  

Trabalho no Espectro – Flávio, de forma bem acessível, o que é Emprego Apoiado e como esta metodologia pode ser importante para pessoas com autismo e deficiência intelectual, principalmente para as pessoas que necessitam de maior apoio para sua inclusão?

Flávio Gonzalez – O Emprego Apoiado (EA) é uma metodologia que nasceu no final dos anos 70 nos EUA e vem se desenvolvendo e expandindo desde então, fazendo parte inclusive da legislação de vários países. Ele parte do pressuposto de que toda pessoa pode trabalhar, desde que lhe sejam oferecidos os apoios de que precisa. Em modelos convencionais de colocação, quando existem dificuldades para que uma contratação ocorra, geralmente isso é atribuído a limitações da pessoa, o que muitas vezes é uma lógica perversa, que culpabiliza o excluído por sua própria exclusão. No emprego apoiado, entendemos que, se uma colocação não está funcionando é porque não estamos sendo capazes de oferecer à pessoa os apoios necessários, ou seja, é o sistema de inclusão que está sendo insuficiente. Na metodologia do Emprego Apoiado utilizamos o modelo social da deficiência que a vê em interação com diversas barreiras. Na medida em que reduzimos ou eliminamos as barreiras, sejam elas quais forem, a autonomia tende a crescer e a funcionalidade em geral melhora. Enfim, o Emprego Apoiado trabalha sempre com a perspectiva de colocar a pessoa em ambientes inclusivos, priorizando aquelas com maior necessidade de apoio, disponibilizando estes apoios de maneira individualizada e sempre levando em conta interesses, pontos fortes e necessidades de apoio.

Quais os benefícios do EA para pessoas autistas?

 A metodologia do Emprego Apoiado tem sido largamente utilizada na inclusão profissional de pessoas com Transtorno do Espectro Autista, justamente porque reconhece as habilidades e desejos da pessoa ao mesmo tempo em que respeita sua individualidade e faz modificações no ambiente, na dinâmica do trabalho ou outras, de forma que ela receba o suporte que precisa para permanecer e se desenvolver no trabalho. Isto se faz em três momentos diferentes. Primeiro temos a descoberta de perfil vocacional, na qual conhecemos de perto e o melhor possível a pessoa. Em seguida, temos o que chamamos de desenvolvimento de emprego, que consiste em buscar uma oportunidade de trabalho que seja compatível com esse perfil e ao mesmo tempo seja capaz de suprir as necessidades de apoio. Por fim, um aspecto essencial, muitas vezes negligenciado no mercado, é o acompanhamento pós-colocação. É um erro achar que contratar já é incluir. A inclusão não termina quando a pessoa é contratada,  bem ao contrário, é justamente nesse momento que ela tem início.

Você pode dar alguns exemplos práticos de pessoas com autismo ou deficiência intelectual que utilizaram esta metodologia e como as empresas aceitaram esta metodologia? Quantas pessoas já foram incluídas com base no EA e, dessas, quantas com autismo?

Implantamos a Metodologia do Emprego Apoiado em 2013 no Instituto Jô Clemente. Àquela altura, fazíamos em média 100 inclusões por ano. Já naquele ano, este número saltou para 280 e, em 2019, chegamos a 507 inclusões no ano. A “mágica” destes números, é romper com o que, em modelos convencionais, chamamos de “lógica do corredor”, na qual o número de pessoas incluídas é muito menor do que o número de pessoas que ingressam na organização. Neste caso, muitas pessoas acabam institucionalizadas por não serem consideradas prontas para o trabalho. No Emprego Apoiado inverte-se a lógica, pois um dos princípios é a “exclusão zero”. A ideia é incluir para qualificar. Deste modo, busca-se o mais breve possível a inclusão e é a partir dela que o processo ocorre. Ao longo deste tempo, foram incluídas inúmeras pessoas com deficiência intelectual e também com transtorno do espectro autista, inclusive em quadros associados, muito frequentes em nossa realidade. O que se propõe é, justamente, buscar as pessoas com maior dificuldade de colocação, pois são elas o foco principal deste trabalho, além de criar um planejamento individualizado, centrado na pessoa, o que vale tanto para a pessoa com deficiência intelectual, autismo ou quaisquer outras condições individuais que possam exigir apoios.

Como você acha que outras organizações no Brasil podem iniciar a metodologia em EA?

A Metodologia do EA, embora seja largamente utilizada no mundo e conte com organizações na Europa, EUA entre ouros, é ainda pouco conhecida no Brasil. Ela não é, como muitos imaginam, apenas mais uma forma de incluir pessoas, pois na verdade  ela é um jeito de pensar a inclusão, o desenvolvimento das pessoas e da sociedade, enfim, ela não está na ponta, no final de um processo, mas tem centralidade e norteia todas as ações, do começo ao fim. Neste sentido, é necessário aprender com quem já faz, além de estudar, conhecer seus princípios, valores e processos. O Instituto Jô Clemente tem sido um disseminador desta metodologia e se coloca a disposição de quaisquer organizações para compartilhar suas experiências.

Quais os principais desafios na implantação do EA no Brasil?

O principal desafio para a implantação desta metodologia é a mudança de paradigma que exige toda uma reformulação dos processos organizacionais, institucionais, o que traz, em geral, muita insegurança para quem está iniciando. Quando você implanta esta metodologia, caso faça isto da maneira correta, rapidamente você esvazia os corredores e salas da organização social, pois seu trabalho passa a ser extra muros, dentro do próprio mundo do trabalho. Isto muitas vezes assusta, pois a percepção de alguns é a ameaça de perder seu papel, o que não é verdade. O EA é uma prática inclusiva, incompatível com a institucionalização da pessoa, mas ele ressignifica o papel e a vocação das instituições e de profissionais, que se tornam muito mais ativos e participativos do que antes. Não há volta neste processo. Quem insistir em práticas segregativas, em pouco tempo se tornará ultrapassado e será substituído. Precisamos ter a coragem de avançar e o momento é agora.

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Psicólogo, especialista em terapia comportamental cognitiva em saúde mental, mestre em psicologia da saúde, com experiência na gestão de programas de diversidade e inclusão em empresas como Sodexo no Brasil. Há 4 anos, faz parte do grupo de trabalho sobre Direitos Humanos nas Empresas da rede brasileira do Pacto Global da ONU e é diretor geral da Specialisterne no Brasil, organização social de origem dinamarquesa presente em 21 países, que atua na formação e inclusão de pessoas com autismo no mercado de trabalho.

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