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Em julho de 2022, escrevi um artigo sobre Donald Triplett. cuja história foi contada no livro Outra Sintonia – a história do autismo. Minha ideia aqui é fazermos um paralelo do relato histórico sobre programas de eugenia e cuidados das pessoas com deficiência no início do século XX, mais especificamente um artigo escrito em 1924 que foi utilizado como “uma bíblia por Hitler” e descobertas atuais relatadas por Lais Silveira Costa, pesquisadora da ENSP/Fiocruz e também presente numa recente audiência pública ocorrida na Alesp.
Os índices chocantes de mortalidade de bebês com Síndrome de Down ainda intrauterino, fazem com que “(…) hoje ter síndrome de Down na Espanha é considerado tão incomum quanto ter uma doença rara”. segundo Agustín Matía Amor, diretor administrativa da Down Spain. Vamos aos números expostos por Lais: Os números são de não nascimentos com SD são de 100% na Islândia, 98% na Dinamarca, 90% no Reino Unido e Espanha, 77% na França e 67% nos EUA.
Algumas lágrimas escorreram sobre meu rosto quando li essa notícia pela primeira vez. E, quero deixar claro, minha questão aqui não trata da descriminalização do aborto ou não, mas, do aborto de “anomalias fetais” justificado pelo alto custo em ter um filho com deficiência. É uma seleção não natural de quem pode ou não viver de acordo com padrões culturais e de negação de acessibilidade.
Voltemos ao “a outra sintonia”, em 1916, Madison Grant, advogado, publicou um livro intitulado The passing the great race (a Passagem da grande raça) exaltando a superioridade racial dos nórdicos e originando uma série de leis norte americanas sobre imigração, etnia, raça e concursos sobre ‘alta parentalidade’, onde casais eram qualificados para reproduzirem ou, encaminhados para esterilização, caso sua prole não fosse ‘boa’ o suficiente. O livro ecoou por décadas, inclusive, como ressaltado acima, foi uma ‘bíblia’ para o nazismo e os crimes contra a humanidade durante as grandes guerras.
Donald Triplett, falecido em 15 de junho de 2023, foi encaminhado a uma instituição asilo aos 4 anos de idade, afastado de seus pais e familiares por ser ‘o melhor para ele e sua família.’. Obviamente, antes da internação, a mãe de Donald foi acusada de ter oferecido uma educação com excesso de estímulos aos seu filho, gerando prejuízos incalculáveis a ele.
Inacreditavelmente, após mais de um século do Manifesto de Grant, ainda lutamos contra o capacitismo, o segregacionismo e pior, voltamos a executar a eugenia tão combatida no pós guerra.
Que outros achados genéticos poderão interromper vidas em nome das “anomalias fetais” e dos cofres públicos? O aconselhamento genético já é capaz de dizer aos casais se poderão arriscar filhos ‘saudáveis’ ou não. Uma forma politicamente correta de revivermos os concursos de “Famílias mais aptas para reprodução” da década de 1920.
Donald chega aos cuidados de Kanner em 1938, com uma completa descrição da vida do garoto escrita a mão pelo pai. Kanner à época, era um jovem médico progressista, defensor “dos fracos” e um dos pioneiros da psiquiatria infantil. Era um homem com um raro senso de equidade para a década, porém não se atrevia a dizer em voz alta. Ao mesmo tempo que liberou diversos ‘doentes mentais’ do uso constante da camisa de força, não se posicionou publicamente contra a eutanásia dos deficientes.
Estamos em 2023. O que nos tornamos? Ainda perdemos seguidores ao publicarmos fotos de políticos que defendem os direitos humanos; ainda retratam como ‘mimimi’ quando autistas relatam a hipersensibilidade sensorial ou quando direcionamos essas pessoas para empregos como estoquistas (nada contra o emprego) por ir de encontro ‘às características autistas de rotina e perfeccionismo’.
A palavra eugenia vem do grego e significa “bem nascido”. Os pais de Donald não o mantiveram no asilo e não deixaram de ‘reproduzir’; fizeram parte da história do lado do ativismo e da certeza de que toda vida vale a pena ser vivida.