Tempo de Leitura: 5 minutos
Autistas se reúnem no Rio de Janeiro para celebrar o Dia do Autistão
Em consonância com as comemorações do Dia Mundial da Conscientização do Autismo – instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o dia 2 de abril, a Organização Diplomática do Autistão, uma instituição sem fins lucrativos com diversos pontos e apoiadores no mundo, promoveu o Dia do Autistão em Copacabana, no Rio de Janeiro, neste último domingo (31).
Na ocasião, autistas de diferentes estados do Brasil, presencialmente e virtualmente, discutiram temas de escolha livre em mesas redondas variadas. Entre os debates, figuraram assuntos como neurodiversidade, diagnóstico, preconceito, mulheres autistas e autoaceitação.
O responsável pelo evento foi o francês Eric Lucas, de 54 anos, que classificou a programação como o dia mais difícil da sua vida. Foram mais de 10 horas concentrado no gerenciamento das chamadas e a transmissão, feita simultaneamente no YouTube e Facebook, para que fosse assistido em diferentes lugares do Brasil.
Diálogos
A ideia do Dia do Autistão surgiu apenas dois meses antes do evento propriamente dito. Apesar da correria, Eric conseguiu reunir diferentes autistas em diferentes posições no midiativismo autista – como o youtuber Leonard Akira, a podcaster Erika Ribeiro e o adolescente Zeca Szymon – para falar dos temas que os interessavam.
“Eles foram muito colaborativos, muito pacientes, muito bacanas. Isso é o efeito mágico do Brasil, o povo é mais humano, mais aberto, mais gentil e mais amável. O Brasil, na minha opinião como francês, é um país muito avançado em termos de direitos para os autistas”, contou.
O evento iniciou às 11h da manhã e seguiu até 21h30min. Os horários foram divididos em pequenas palestras, comentários e incluiu, também, detalhes sobre o Autistão – um conceito metafórico de um país dos autistas. Além disso, o público pôde acompanhar a transmissão no canal da organização no YouTube e na página do Facebook.
A proposta, segundo Lucas, foi complicada para execução. “Foram mais de 10 voluntários, mas o evento envolveu muita tecnologia, interações e foi extremamente difícil. Não estamos acostumados a fazer coisas tão complicadas com o computador”, destacou.
Originalmente o evento teria uma conexão com a Journée de l’Autistan, ocorrido simultaneamente na Bélgica. No entanto, problemas na transmissão causaram mudanças de cronograma. Apesar dos impasses, o Dia do Autistão manteve a participação de todos os autistas previstos.
“Tive muito estresse e medo de ter problemas técnicos, mas é o meu jeito de fazer. Porque quando pensamos demais, pensamos que é impossível e não fazemos nada. Mas conseguimos fazer algo bem legal e resolvemos os problemas juntos”, completou.
Apoio
É impossível dissociar a Embaixada do Autistão, local físico da Organização Diplomática do Autistão, da figura de Eric Lucas. Desde que saiu da França após o ataque terrorista de Paris em 2015 e ter alugado, em fevereiro de 2017, um apartamento de 40 m² em Copacabana, o espaço recebe e apoia, com recursos próprios, autistas de diferentes lugares do país.
Eric, no passado, foi uma figura viajante e de muitas histórias. Chegou a figurar na edição de 2001 do Guiness World Records, esteve em países como Rússia, Egito e Cazaquistão, é poliglota, foi DJ durante 15 anos e se adaptou à vida social na medida do possível. Há mais de dois anos, em terras cariocas, se diz satisfeito com a mudança e evita aparecer em fotos.
O francês mora com Shree Ram, um jovem nepalês o qual conheceu em uma de suas viagens no Nepal e que o acompanha no Autistão e na vida brasileira. “Temos uma amizade que não podíamos imaginar. É como um irmão de outra mãe. Somos muito felizes aqui”, disse.
Uma ajuda neurodiversa na vida de Eric é Ludmila Leal, que tem um irmão autista e colaborou, de forma geral, na organização. “Esse é o caminho para a humanidade. O único caminho da paz é esse, as pessoas aceitarem e se colocarem no lugar do outro”, ela afirma sobre a importância das diferenças.
Foi a intenção de tentar entender outros autistas que Lucas fez o máximo de adaptações possíveis para os convidados. Geuvana Nogueira, por exemplo, faz parte da Liga dos Autistas, tem restrições alimentares e se deslocou de Campo Grande até o Rio. Na capital, foi auxiliada pela organização e pelos demais autistas presentes.
No Rio de Janeiro, Geovana contou ter vivido desafios. “Eu saí da minha zona de conforto, foi delicado. Mas acredito que, quando conseguimos nos aceitar e nos olhar como autistas, o outro autista não é difícil. É como se todo mundo já se conhecesse”.
Eric Lucas reiterou a missão do Autistão. “Nós queremos colaborar com qualquer pessoa, seja autista, famílias ou organizações. Somos uma organização de autistas, extra-nacional, ou seja, não ligada a nenhum país, com uma visão global para apoiar os ativistas nacionais”.
Histórias
Os dias dos bastidores do Dia do Autistão renderam encontros e vivências para os participantes. Erika Ribeiro, podcaster do Erika’s Small Talk, reconheceu o evento como uma espécie de divisor de águas em sua saga para “sair do armário” que se arrastou em parte significativa dos seus 39 anos de idade.
“Fui diagnosticada no auge da minha carreira, com 22 anos. Eu cursava Direito, trabalhava e aquilo me dava uma confusão mental anormal. Fui procurar uma ajuda psiquiátrica e acabei diagnosticada com TDA e Asperger. Resolvi vir pra botar a cara logo e bora!”, contou.
A maior parte dos participantes do evento eram adultos, exceto Zeca Szymon, um adolescente de 14 anos, acompanhado da mãe, Magaly Botafogo. Por outro lado, Geuvana tem dois filhos adultos, e encara sua posição como algo diferente de grande parte das mães não-autistas.
“Um deles não mora comigo. Quando ele chega em casa, há um incômodo muito grande. Eu detesto que me abracem, e eu fico sufocada. E você não se identifica mais, mas é seu filho, você gosta dele. Mas estou aprendendo a lidar com isso. Eu criei eles para terem suas vidas. A vida dele não é minha, é dele”, explicou.
O youtuber Leonard Akira encarou que as potencialidades autistas devem ser exploradas. “O autismo, para parte dos pais, é considerado um tabu e um limitador. Eles pensam em todas as dificuldades que o filho terá na vida e a discriminação. Se um pai tiver uma visão mais esperançosa do filho, ele vê as vantagens e desvantagens desta condição”.
Ludmila, que acompanhou tudo por detrás das câmeras de transmissão, aprovou o Dia do Autistão. “Quanto mais eventos que mostram formas diferentes de viver, de pensar, de conviver, de aceitar, melhor. [Precisamos] acabar com a intolerância, que está se espalhando na civilização, e neste momento é de suma importância”.