29 de dezembro de 2024

Tempo de Leitura: 5 minutos

Avanços e Esperanças

Em outubro de 2024, tive a honra de representar o Brasil no 9º Congresso Mundial de Síndrome de Rett, realizado na Austrália. Como vice-presidente da Associação Brasileira de Síndrome de Rett (Abre-te), pude compartilhar experiências e, principalmente, absorver conhecimentos valiosos sobre os mais recentes avanços no tratamento e compreensão desta condição.

Foram 4 dias de congresso, com mais de 450 participantes, de 26 países. Foram 62 palestrantes e as sessões foram divididas em 2 blocos: palestras para familiares e palestras para médicos e pesquisadores. O evento foi realizado em Gold Coast, no estado de Queensland na Austrália. 

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A abertura do congresso foi feita pela Jacyntha, uma mulher australiana de 26 anos com síndrome de Rett, que leu um texto, mostrando quão distintos podem ser os fenótipos da síndrome e como muitos dos conceitos que se tinham sobre Rett no passado ficaram ultrapassados com o avanço dos  diagnósticos. Na sequência, uma memorável palestra do Dr. Alan Percy sobre a história da síndrome de Rett, um dos médicos que mais estudou a síndrome ao longo dos anos, trabalhou com os Drs. Andreas Rett e Bengt Hagberg e liderou o teste clínico do Trofinetide. 

Inovações e aprofundamento

O congresso foi marcado por apresentações inovadoras e discussões profundas sobre diversos aspectos da síndrome de Rett. Entre os destaques, estavam:

  1. Microbioma e Nutrição: A Dra. Heather Way apresentou insights fascinantes sobre o tratamento do microbioma em crianças neuroatípicas. Utilizando tecnologia genômica avançada, é possível identificar desequilíbrios bacterianos intestinais e sua relação com o processamento de toxinas.
  2. Dor e Síndrome de Rett: Dr. Frank Symons discutiu os desafios relacionados à compreensão e manejo da dor em pessoas com síndrome de Rett, em particular pela dificuldade de comunicação. Symons apresentou resultados paradoxais de sua pesquisa, onde os pais relataram menor sensibilidade à dor em seus filhos, mas também níveis significativos de dor crônica recente. Ele propôs uma mudança de abordagem, sugerindo que a dor deve ser presumida presente até que se prove o contrário, e enfatizou a importância de questionar a crença persistente de maior tolerância à dor em pessoas com síndrome de Rett.
  3. Manejo da Menstruação: A Dra. Jane Percy abordou métodos de bloqueio menstrual e suas interações com medicamentos anticonvulsivos, oferecendo uma visão equilibrada dos prós e contras de cada abordagem. Um ponto crucial de sua apresentação foi lembrar que a puberdade em meninas com Rett não difere significativamente das meninas típicas, incentivando uma abordagem natural e sem ansiedade excessiva.
  4. Síndrome de Rett em Meninos: O Dr. Alan Percy apresentou dados recentes sobre a síndrome de Rett em meninos, revelando que muitos vivem além da infância e que há uma maior heterogeneidade de sintomas entre homens do que entre mulheres.
  5. Reabilitação Motora Tecnológica: Foi apresentado o TEMO Rett, um mecanismo inovador que utiliza estímulos visuais para incentivar pessoas com Rett a abrir as mãos e alcançar objetos, enfatizando a importância da habilidade de apontar como forma de comunicação. O equipamento ainda está em teste na Alemanha. Frank Symons, professor e pesquisador da Universidade de Minnesota, discutiu os desafios relacionados à compreensão e manejo da dor em pessoas com síndrome de Rett. Ele destacou as dificuldades científicas, clínicas e práticas, incluindo aspectos desconhecidos da neurobiologia da dor, problemas na avaliação e tratamento, e os desafios diários enfrentados pelos pais. Symons apresentou resultados paradoxais de sua pesquisa, onde os pais relataram menor sensibilidade à dor em seus filhos, mas também níveis significativos de dor crônica recente. Ele propôs uma mudança de abordagem, sugerindo que a dor deve ser presumida presente até que se prove o contrário, e enfatizou a importância de questionar a crença persistente de maior tolerância à dor em pessoas com síndrome de Rett.
  6. Superando o Medo do Movimento: O Dr. Meir Lotan discutiu o conceito de “medo do movimento” (FOM), explicando como dificuldades no sistema proprioceptivo podem levar à perda da capacidade de andar. Ele enfatizou a importância de encorajar o movimento, mesmo quando inicialmente desconfortável.
  7. Saúde Óssea e Muscular: Palestras sobre a proteção do quadril e da coluna enfatizaram a importância do movimento constante e do monitoramento regular através de exames de imagem adequados.
  8. Terapias Gênicas: Representantes da Taysha e da Neurogene apresentaram atualizações sobre seus testes clínicos de terapia gênica. Embora os resultados sejam preliminares, há sinais promissores de melhoria em algumas pacientes, especialmente em aspectos motores e de interação. A Taysha apresentou rápidos vídeos das primeiras participantes do teste mostrando suas evoluções.
  9. Edição Genética: A Dra. Goldilock discutiu o potencial da edição genética como uma abordagem futura para o tratamento da síndrome de Rett, destacando tanto seu potencial quanto os desafios associados à diversidade de variantes genéticas.
  10. Comunicação Alternativa: Foram reforçadas as estratégias de Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA), com ênfase na importância de reavaliações frequentes e no incentivo à tomada de decisões pelas pessoas com Rett.
  11. Saúde Respiratória: Dr. Nino Ramirez destacou a interconexão entre ritmos cerebrais e funções corporais na síndrome de Rett, enfatizando como a descoordenação respiratória pode causar hipóxia e estresse oxidativo. A Dra. Michele Caldecott apresentou dados sobre mortalidade por causas respiratórias, discutindo fatores de risco e a importância da prevenção. A Dra. Marielle Van den Berg explicou os benefícios da Pressão Expiratória Positiva (PEP) para melhorar a função respiratória.
  12. Epilepsia: Dra. Johnson enfatizou a importância do EEG e vídeo EEG no diagnóstico e classificação de crises. Ela discutiu opções de tratamento, incluindo medicamentos, CBD e dieta cetogênica, alertando sobre os cuidados necessários. Perspectivas futuras incluem terapias genéticas, novos medicamentos e técnicas avançadas como estimulação cerebral profunda.

O último dia foi marcado por apresentações de familiares falando sobre a vida das famílias com Rett e um painel dos irmãos de pessoas com Rett contando sobre como eles se sentem e suas expectativas para o futuro. O congresso foi encerrado com um gesto simbólico e emocionante. A associação argentina Sin Rett, representada por Fabian Crespo, presenteou a Rett Syndrome Austrália com uma “Rosa da Paz”, obra de arte criada pelo artista Juan Carlos Pallarols a partir de restos de material bélico da Guerra das Malvinas. Este símbolo, que representa a transformação da dor em arte e esperança, será passado adiante nos próximos congressos mundiais, similar a uma tocha olímpica, unindo a comunidade Rett global em sua jornada por avanços e cura.

Melhores tratamentos e compreensão

O congresso demonstrou que, embora ainda haja muito a ser descoberto e desenvolvido, o campo da pesquisa em síndrome de Rett está avançando rapidamente. As terapias gênicas em desenvolvimento oferecem esperança, mas é importante manter expectativas realistas e continuar focando em terapias e estratégias que melhorem a qualidade de vida no presente.

Como representante brasileira, voltei inspirada e com a certeza de que estamos no caminho certo em nossa busca por melhores tratamentos e compreensão da síndrome de Rett. O intercâmbio de conhecimentos e experiências neste evento global certamente contribuirá para aprimorar o cuidado e o suporte oferecidos às pessoas com Rett e suas famílias no Brasil.

 

Fotos do evento

Brasil esteve presente no 9º Congresso Mundial de Síndrome de Rett (2024), na Austrália — Canal Autismo / Revista Autismo

Paula Godke com Allan Percy, no congresso de Rett, na Austrália.

Brasil esteve presente no 9º Congresso Mundial de Síndrome de Rett (2024), na Austrália — Canal Autismo / Revista Autismo

Paula Godke, da Abre-te, no 9º Congresso Mundial de Síndrome de Rett, na Austrália (2024).

Brasil esteve presente no 9º Congresso Mundial de Síndrome de Rett (2024), na Austrália — Canal Autismo / Revista Autismo

Paula Godke, da Abre-te, no 9º Congresso Mundial de Síndrome de Rett, na Austrália (2024).

Brasil esteve presente no 9º Congresso Mundial de Síndrome de Rett (2024), na Austrália — Canal Autismo / Revista Autismo

Paula Godke com o time da Acádia Pharmaceuticals, no congresso de Rett, na Austrália.

Paula Godke no 9º Congresso Mundial de Síndrome de Rett (2024), na Austrália — Canal Autismo / Revista Autismo

Paula Godke no 9º Congresso Mundial de Síndrome de Rett (2024), na Austrália.

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Administradora, mãe da Aline, de 8 anos (diagnosticada com Síndrome de Rett), voluntária e vice-presidente da Associação Brasileira de Síndrome de Rett (Abre-te).

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